Queda de 0,2% do PIB retoma debate sobre corte da taxa de juros para sair da estagnação

Redução é vista por economistas como único instrumento de curtíssimo prazo que poderia ajudar retomada do crescimento

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São Paulo

A contração de 0,2% do PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre de 2019 intensificou a pressão para que o governo adote medidas de estímulo à economia, além dos esforços para aprovar a reforma da Previdência, incluindo a retomada da política de cortes de juros.

Embora o presidente Jair Bolsonaro (PSL) não tenha comentado os dados divulgados nesta quinta-feira (30), o ministro Paulo Guedes reagiu ao resultado, anunciando que o governo estuda liberar recursos de fundos como FGTS para animar o consumo.

O diagnóstico de analistas é que a medida vai na direção correta, mas que a piora do ritmo da atividade —que nunca chegou a engatar uma recuperação vigorosa após o fim da recessão em 2016— exige outras ações.

“[O resultado do PIB] é mais uma evidência de que o Banco Central pode cortar os juros. É o único instrumento de curtíssimo prazo para ajudar a economia a voltar a crescer”, diz Sérgio Werlang, ex-diretor de Política Econômica do BC.

Sede do Banco Central em São Paulo
Sede do Banco Central em São Paulo - Rahel Patrasso/Xinhua

Desde maio de 2018, a Selic, taxa básica de juros da economia, permanece em 6,5%

A estabilidade sucedeu um período de repetidos cortes que levaram a taxa a cair a menos da metade (em outubro de 2016, a Selic era 14,25%).

A suspensão da política de afrouxamento monetário ocorreu na esteira da percepção de que a recuperação da economia poderia levar à volta das pressões inflacionárias.

O IPCA, índice oficial de inflação, ficou em 4,94% em abril, acima do centro da meta de 4,25%, mas dentro do intervalo de variação aceitável, que é de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

Apesar do resultado, com o diagnóstico de que a economia brasileira pode estar caminhando para uma nova recessão, o rumo da política monetária voltou ao centro do debate entre economistas.

A defesa de corte de juros não é consensual, mas o tema ganha espaço crescente em discussões e relatórios.

Para Alberto Ramos, diretor de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs, por exemplo, não é tão claro que o BC deve reduzir os juros.

“Ninguém hoje não investe pelo custo do capital. A razão para não investir é a incerteza e o risco de insolvência fiscal no médio e longo prazo. Se eles continuarem, quem não investia por 6,5% não vai investir por 5,5%”, afirma.

Porém, um número crescente de analistas diz acreditar que mudanças ocorridas na economia fizeram com que a taxa de juros atual deixasse de ser baixa adequada para estimular decisões de consumo e investimento. E a expectativa de que os juros podem cair levou a Bolsa à máxima do mês nesta quinta — 97 mil pontos.

A LCA Consultores destaca que a profunda recessão da Argentina eliminou, num piscar de olhos, uma parte importante da demanda por produtos manufaturados brasileiros que eram exportados para o país vizinho.

Além disso, ressalta a consultoria, houve uma queda substancial da taxa de juros de longo prazo cobrada nos empréstimos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Esses dois movimentos teriam contribuído para uma queda da taxa de juros capaz de estimular a economia sem gerar pressões inflacionárias.

“Há espaço para cortar juros sem rasgar o sistema de metas de inflação”, diz Bráulio Borges, economista da LCA.

Segundo os cálculos do especialista, a taxa de juros deveria estar hoje entre 4,75% e 6%.
“Sem a retomada de cortes de juros, corremos o risco de prolongar esse cenário de recuperação anêmica”, afirma.

Para Werlang, a autoridade monetária tem sido “excessivamente conservadora”, ao atribuir um risco muito alto de aumento da inflação, caso os juros caiam.

“Esse risco existe? Sim, sem dúvida. Mas o fato é que do jeito que está hoje, com a economia parada, tudo indica que isso não vai acontecer”, diz Werlang, que foi um dos responsáveis pela implementação do regime de metas de inflação.

Outros economistas concordam com Werlang e Borges em relação à mudança na capacidade da política monetária de estimular a economia, mas discordam em relação à necessidade de mudar seu rumo o quanto antes.

Para os times de analistas de bancos como Bradesco, Itaú Unibanco e Safra, por exemplo, novos cortes de juros são necessários, mas só deveriam ocorrer após a aprovação da reforma da Previdência.

“Precisamos criar condições para que os empresários se sintam seguros em apostar que estamos diante de um novo ciclo de investimento, e não de mais um voo de galinha”, diz Carlos Kawall, economista-chefe do Safra.

Já Werlang e Borges dizem acreditar que quanto maior a demora para cortar os juros, pior poderá se tornar o quadro econômico.

A preocupação sobre a situação da economia tem feito com que especialistas ressaltem que, embora crucial, a reforma da Previdência não resolverá o problema da fraqueza da demanda doméstica.

Nesse debate, além dos juros, há menções sobre uma série de outras medidas consideradas necessárias:
“A reforma da Previdência é condição necessária, mas não é suficiente para o Brasil crescer”, avalia Mauricio Molon, economista-chefe do Santander Brasil.

“O país precisa avançar em termos de fluxo favorável de notícias”, afirma.

Para ele, a reforma tributária pode ser considerada até mais importante, pois sua aprovação teria o efeito positivo de ajudar na recuperação da confiança, especialmente dos investidores.

Pesquisas recentes mostram que as expectativas de empresários e consumidores em relação às perspectivas do país voltaram a piorar.

Economistas ressaltam que a aceleração da agenda de concessões e privatizações também seriam bem-vindas.

Há especialistas que afirmam, porém, que nenhuma dessas reformas será suficiente para estimular o investimento no curto prazo.

O economista Paulo Morceiro ressalta que a capacidade ociosa da indústria —máquinas, equipamentos e até mão de obra parados ou subutilizados— gira em torno de 25%.

“Isso significa que, mesmo que a confiança volte, antes de investir, os empresários tendem a usar os recursos que não estão sendo utilizados”, diz Morceiro, que é pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Para ele, medidas como a liberação de recursos do FGTS estudada pelo governo são as mais adequadas para estimular a economia no curto prazo.

Colaborou Júlia Moura

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