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Juro do crédito vai demorar a cair com cadastro positivo

Birôs de análise ainda levarão um tempo para ter dados suficientes do consumidor

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São Paulo

A queda nos juros para quem honra seus pagamentos, principal argumento em defesa do cadastro positivo, deve demorar a ser sentida pelo mercado. 

O projeto que torna automática a inclusão de consumidores no banco de dados foi aprovado pelo Senado na última semana e aguarda apenas sanção presidencial para virar lei.

Segundo analistas, porém, vai levar um tempo até os birôs de crédito (os gestores do cadastro) reunirem informações suficientes sobre as pessoas.

 

Se o presidente Jair Bolsonaro der seu aval, passa a valer um prazo de 90 dias para que o cadastro comece de fato a ser usado por quem concede crédito para análise do risco de calote de clientes.

O período serve como uma transição mais suave para quem não quer estar no cadastro se manifestar junto aos birôs —embora o pedido para exclusão possa ser feito a qualquer momento, ressalta Marcelo Fortes, do Fortes & Prado Advogados.

É também um momento para as instituições financeiras desenvolverem formas de enviar os dados para os birôs irem engordando sua base.

“Imediatamente, não muda nada. As pessoas não vão começar instantaneamente a pagar menos [juros]. O cadastro vai sendo construído conforme as pessoas vão tendo seu escore [nota que mede o risco de calote] levado em conta”, diz Michael Viriato, coordenador do laboratório de finanças do Insper.

Na estimativa de Dirceu Gardel, do birô Boa Vista Serviços, a queda nos juros deve começar a ocorrer no início de 2020.

Hoje, a adesão ao cadastro positivo, que existe desde 2011, é voluntária, e a base agrega cerca de 11 milhões de nomes. 

O que predomina no Brasil é o cadastro negativo, com informações de inadimplência.

“Apesar de o cadastro positivo existir há um tempo, muitas pessoas não formaram nota. Vamos começar quase do zero. Nos Estados Unidos, quando o indivíduo nasce já começa a contar ponto”, diz Viriato.

O cadastro positivo terá dados de todas as contas do consumidor: despesas mensais —água, luz, condomínio— e dívidas bancárias, como cartão de crédito e cheque especial. 

A ideia é que quanto mais longo for esse histórico, mais fácil prever o comportamento do consumidor. É como o histórico construído em redes sociais: depois de muitas curtidas e compartilhamentos, o app consegue prever melhor os gostos do usuário e mostrar anúncios mais certeiros.

 

A inadimplência elevada é usada pelos bancos para explicar o custo dos juros. Uma ferramenta de medição melhor do risco de inadimplência permitiria que bons pagadores passagem menos taxas, segundo as instituições.

“Com esse tipo de análise, conseguimos em 82% dos casos taxas mais próximas do que é o risco do consumidor”, diz Renata Feijó, diretora institucional da fintech Guiabolso. 

Quem teve dificuldade de pagar contas em dia porque ficou desempregado por três meses, por exemplo, continuaria visto como um boa pagador se nos últimos cinco anos sempre foi pontual.

Sem o histórico, teria a nota de crédito reduzida de forma significativa, porque apareceria, aos olhos dos bancos, apenas como um devedor.

O cadastro positivo deve ainda trazer para a mira dos bancos mais clientes. Segundo Gardel, o sistema não vê 20 milhões das 130 milhões de pessoas economicamente ativas.

“Imagine a faxineira sem emprego formal, mas que tem renda e paga a conta de luz direitinho. Essa pessoa ninguém vê, e o banco vai passar a olhar. Você vai ampliar a massa de crédito”, afirma.

Em nota, a Febraban (federação dos grandes bancos) disse que o cadastro vai beneficiar o bom pagador que não era incluído por ter pouca ou nenhuma atividade bancária.

Para Luciano Godoy, professor da FGV Direito SP, a ampliação do número de bancarizados, bem como a diminuição da concentração bancária, não é fator colateral, mas agente direto para a queda dos juros. 

“O discurso é que o juro é alto porque bons e maus pagadores são colocados na mesma cesta. Isso é verdade em parte, mas a questão é mais complexa”, afirma.

O mau pagador, porém, pode até ver suas taxas aumentarem, pondera Viriato, do Insper. Ainda que com uma nota baixa, o professor recomenda que os consumidores permaneçam no cadastro.

“Como estarão automaticamente registrados, quem sair é provavelmente o mau pagador. É melhor ter alguma nota e ser o ‘menos ruim’ do que estar fora e ser o pior.”

O Procon-SP tem uma percepção diferente. A entidade diz que a ideia da lei é boa, mas aguarda decreto com critérios de composição das notas, o que, segundo o Procon, evitaria arbitrariedades.  

“Caso não haja regulamentação, vamos agir, com o Ministério Público ou por Ação Civil Pública. E se a aplicação do sistema começar a levar a risco, nós temos que orientar o consumidor a sair do cadastro”, afirma Fernando Capez, presidente do Procon-SP.

Órgãos de defesa do consumidor conseguiram acrescentar no texto da lei a responsabilidade solidária de birôs, bancos e instituições por eventuais prejuízos ao consumidor caso informações inverídicas sejam incluídas no cadastro.

Os bancos não gostaram. A Febraban disse que é essencial para o bom funcionamento do sistema a mudança dessa regra. O setor tem a avaliação de que existe uma predisposição da Justiça para condenar as instituições com base em sua capacidade financeira.  

O projeto de lei caminha para entrar em vigor menos de um ano após ser aprovada a Lei Geral de Proteção de Dados, que deve estar em pleno funcionamento em 2020.

A normativa sancionada em agosto regula como empresas devem tratar os dados pessoais que coletam dos cidadãos.

Ao impor o cadastramento automático, o projeto entra em rota de colisão com a ideia de que as pessoas devem possuir controle sobre o fluxo de seus dados —a chamada autodeterminação informativa, um dos pilares da lei de dados—, afirma Rafael Zanatta, pesquisador do Núcleo de Ética, Tecnologia e Economias Digitais do Instituto de Energia e Ambiente da USP.

Para Rafael Pereira, presidente da ABCD (Associação Brasileira de Crédito Digital), a proposta deveria, no sentido contrário, ter se aprofundado mais, permitindo o acesso das instituições a informações detalhadas de cada dívida.

Pela nova lei, os birôs acessam todas as informações e atribuem, a partir delas, a nota que mede o risco de inadimplência daquele consumidor.

Mas um banco ou loja que quiser emprestar dinheiro ou vender um produto a prazo a só conseguirá ver essa nota. Os detalhes seguem privados, a não ser que o consumidor permita expressamente àquele credor consultá-los.

“Esse poder vai estar na mão do titular dos dados”, diz Gardel, da Boa Vista. Ele não descarta, porém, que algumas instituições financeiras possam pressionar clientes a liberarem o acesso às informações detalhas em troca da aprovação do empréstimo.

Pontuação de crédito

O que é o escore?
Nota que os birôs de crédito dão a consumidores a partir de modelos estatísticos que calculam as chances de eles não pagarem suas contas

O que ele considera?
Uma centena de variáveis, como idade do consumidor, sexo, local onde mora, renda e pontualidade no pagamento

O que melhora o escore
Pagar as contas em dia;
Manter as informações atualizadas no banco ou no birô de crédito;
Ter menos de 30% da renda comprometida com dívidas;
Estar no cadastro positivo

O que piora o escore
Empréstimos e dívidas atrasados;
Elevado comprometimento da renda com dívidas;
Estar com o nome sujo

Faixas de risco

0 a 200 pontos
Dificilmente o consumidor obtém crédito em bancos;
Ficou com nome sujo mais de uma vez nos últimos 5 anos;
Potencial alto de calote

201 a 400 pontos
Obtém crédito a uma taxa de juros mais elevada;
Risco elevado de dar calote;
Teve o nome sujo ao menos uma vez nos últimos 5 anos

401 a 600 pontos
Consegue crédito, mas a uma taxa de juros ainda salgada;
Risco médio de dar calote;
Não teve o nome sujo

601 a 900 pontos
Tem facilidade em obter crédito e a uma taxa de juros menor;
Risco baixo de dar calote;
Não teve o nome sujo

+ de 900 pontos
Paga as contas em dia;
Não teve o nome sujo;
Chance baixíssima de ficar inadimplente

Fonte: Serasa, SPC Brasil  e Boa Vista SCPC

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