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Dólar volátil reflete instabilidade do Brasil, dizem especialistas

Em cenário inconstante, investidores buscam mais proteção

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São Paulo

A alta volatilidade da cotação do dólar no Brasil é fruto da falta de estabilidade institucional, política, jurídica e econômica do país e pode afastar investimentos estrangeiros, afirmam especialistas.

Nos últimos 100 dias, dentre os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o real é a segunda divisa menos estável, logo atrás do rand sul-africano. No período, o valor do dólar no Brasil variou entre R$ 3,74 e R$ 4,20.

Segundo Daniel Miraglia, sócio da Quasar Asset Management, esse padrão não é de hoje. “Na China, o governo controla o câmbio impondo uma variação máxima diária de 2%, para mais ou menos, e a conta de capital é praticamente fechada. A Índia e a Rússia têm ambientes políticos e institucionais mais estáveis e o crescimento da economia se acelerou muito nos últimos anos”, afirma.

A África do Sul, por sua vez, tem o ambiente político e institucional mais instável e um mercado financeiro menos líquido. O risco-país, medido pelo CDS (Credit Default Swap) de cinco anos reflete isso a 181 pontos, maior que o do Brasil, que está ao redor de 122 pontos.

"Ainda somos um mercado periférico. Estamos em uma cesta de emergentes latinos com outros países e o cenário global não está favorável para nós. A volatilidade do dólar é um efeito da saída dos estrangeiros", diz Victor Cândido, economista-chefe e sócio da Journey Capital - Gabriel Cabral/Folhapress

“A instabilidade institucional, jurídica e política no Brasil ainda é um dos grandes motivos que explicam a maior volatilidade do nosso câmbio dentre o Brics. A América Latina, no geral, tem se mostrado uma região muito instável”, aponta Miraglia.

“A volatilidade do dólar assusta [o estrangeiro], mas outras coisas assustam mais, como a incerteza quanto a reformas e o ambiente político”, afirma Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Além dos protestos nos países vizinhos e da instabilidade interna, com saída de Jair Bolsonaro do seu partido, o PSL, e falta de uma base governista sólida no Congresso, a alta do dólar no Brasil reflete um cenário negativo para ativos de risco no exterior, com guerra comercial entre China e Estados Unidos e a desaceleração da economia global. 

Neste cenário, investidores buscam mais proteção. Os estrangeiros retiram seus recursos e emergentes e os domésticos investem em dólar, um dos ativos mais seguros do mundo. 

No ano, há saída de mais de R$ 30 bilhões em investimento estrangeiro da Bolsa de valores brasileira. Este é o pior saldo desde 2008, ano da crise financeira.

Segundo o relatório de movimento de câmbio contratado do Banco Central (BC) da última quarta (13), o déficit de dólares na balança financeira em 2019 é de R$ 152 bilhões, superior ao total retirado no mesmo período de 2018.

Outra explicação para a saída de dólares é a queda dos juros no Brasil. Com a Selic na mínima histórica, a 5% ao ano, o carry trade perde força. 

O carry trade é uma estratégia de investimento em que o ganho está na diferença do câmbio e do juros. Nele, se toma dinheiro a uma taxa de juros menor em um país para aplicá-lo em outro, com outra moeda, onde o juro é maior.

Em 2016, com a Selic a 14,25%, o diferencial entre a taxa brasileira e a americana ficou ao redor de 13,75% ao ano. Hoje, com a Selic a 5% e o juro americano a 1,5%, esse diferencial fica ao redor de 3,5%.

“O carry do real nunca esteve tão baixo, o que cria um piso natural para qualquer queda no dólar, além de ser mais um vetor de compra da moeda americana no Brasil”, diz Miraglia, da Quasar.

Além de afetar o carry trade, o juro baixo deixa o hedge cambial —proteção contra oscilação do dólar— mais barato. 

Para se proteger da alta volatilidade do real, o investidor geralmente compra um contrato de dólar futuro na B3. Neste caso, o diferencial entre o preço à vista e futuro do dólar fica muito próximo do diferencial de juros entre as duas moedas, de 3,5%.

Considerando que a volatilidade nos últimos 100 dias foi de 12%, um custo anual de 3,5% é vantajoso, já que, para o estrangeiro, o que vale é o retorno em dólar dos seus investimentos. 

Ao entrar no mercado brasileiro para fazer uma aplicação ele vende dólares e compra reais e, se o dólar estiver mais caro na hora de sair, ou remeter lucros, isso diminui o retorno de seus investimentos. 

Para os que pretendem investir em infraestrutura e ter um retorno a longo prazo, o baixo juro do hedge é ainda mais atrativo. No entanto, estrangeiros não voltaram a fazer grandes apostas no Brasil nesse aspecto.

Um dos aportes mais esperados para o ano era o megaleilão do pré-sal, realizado em 6 de novembro. A operação foi um fracasso e só teve uma pequena participação de chineses após um pedido do governo Bolsonaro.

Para Victor Cândido, economista-chefe e sócio da Journey Capital, a fuga dos estrangeiros é muito mais um efeito global, do que característico do Brasil.

“Temos o erro de achar que particularidades do Brasil impactam estrangeiro. Ainda somos um mercado periférico. Estamos em uma cesta de emergentes latinos com outros países e o cenário global não está favorável para nós. A volatilidade do dólar é um efeito da saída dos estrangeiros”, afirma.

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