Empresários temem por futuro da reforma da Previdência e cortam vagas em março

Nº menor de dias úteis por causa do Carnaval também contribui para queda

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Brasília

São duas as explicações apontadas por analistas para o fechamento de 43.196 vagas formais no país em março. A primeira envolve o menor número de dias úteis por causa do Carnaval, associado a uma correção do dado forte de fevereiro, que foi revisado de 173 mil para 182 mil postos com carteira assinada criados.

A segunda, sustentada por outros indicadores econômicos, é que os empresários decidiram colocar seus planos em banho-maria, diante da dificuldade de articulação política do governo no Congresso, que ameaça desidratar pontos considerados chave da reforma da Previdência.

Os dois fatores somados significaram que, em março, foi aberto 1,26 milhão de vagas de trabalho e fechado 1,3 milhão, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Foi o pior resultado para o mês desde 2017, quando o saldo de postos com carteira assinada ficou negativo em 63.624.

Dos 8 setores analisados, 5 tiveram saldo negativo. O comércio registrou o pior resultado, com 330.121 vagas fechadas, ante 301.318 abertas (-28.803). Já serviços teve maior saldo positivo, com 4.572 postos.
Todas as regiões do país tiveram desempenho ruim. O Nordeste teve o maior saldo de vagas fechadas (-23.728), e o Centro-Oeste, o menor (-1.706).

Na leitura do governo, o fechamento de vagas em março foi fruto do dado acima do esperado em fevereiro.

Segundo o secretário do Trabalho, Bruno Silva Dalcolmo, setores que normalmente contratavam em março anteciparam as contratações para fevereiro, enquanto os que demitiam decidiram concentrar as dispensas de funcionários no mês passado.

Ele diz que também viu impactos relacionados à confiança: "Provavelmente, a demanda no início do ano foi aquecida o suficiente para que os empresários mantivessem os trabalhadores contratados e atrasassem as demissões de fevereiro para março".

Para analistas, confiança não é a palavra certa para descrever o sentimento atual dos empresários, diante de uma reforma da Previdência ainda mergulhada em incertezas e em meio a dados que inspiram pouca segurança em uma retomada forte da atividade econômica.

"Tem um problema com o calendário, com o Carnaval em março, o que bagunçou os indicadores. Mas há indicações claras de que o ritmo da atividade no primeiro trimestre entrou em fase de espera, na expectativa do avanço da agenda reformista", afirma Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.

Ao mesmo tempo, o governo deu sinais de que teria dificuldades para construir sua base de apoio no Congresso, esfriando os ânimos de empresários e investidores.

O reflexo desse pé no freio foram as várias revisões de perspectivas para a economia brasileira neste ano —a mais recente, de segunda-feira (22), projeta crescimento de 1,71% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2019. Quatro semanas atrás, a alta prevista era de 2%.

No trimestre, o saldo ajustado de vagas foi positivo em 164,2 mil, queda de 15,9% em relação aos 195,2 mil do mesmo período de 2018. Em 12 meses, o acumulado é de 472.117 postos criados.

Nem a aprovação da reforma da Previdência na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), da Câmara dos Deputados, na noite de terça (23), é suficiente para se traduzir em confiança. "O que aconteceu é positivo, o governo teve uma margem boa, mas foi só um primeiro obstáculo superado. Há uma tramitação longa e difícil na comissão especial, onde as tentativas de diluição das medidas devem ser maiores", avalia Campos.

Para ele, os próximos dois meses ainda devem ser de cautela. Ainda assim, os dados do Caged de abril devem mostrar uma recuperação, acredita.

Fabio Ramos, economista do UBS, compartilha dessa avaliação. "O tamanho dessa queda de março não faz sentido, é um outlier [valor que foge da normalidade]. Tem uma coisa mais pontual que vai consertar em abril, em meio a um conjunto de números mais fracos da economia", afirma.

Ele lembra que, mesmo quando a economia começa a retomar, o emprego não reage tão rapidamente. "O desemprego se move devagar. A demissão é o último recurso das empresas, não é fácil sair cortando. Assim como, quando melhora a economia, a empresa não sai contratando. Você adiciona hora extra, novos turnos, e, por último, faz novas contratações", diz.

Além disso, é possível haver um efeito, já identificado até por Jair Bolsonaro, de aumento do desemprego conforme a economia melhora e as pessoas se sentem mais confiantes a procurar trabalho, diz Renan Pieri, professor de economia do trabalho da FGV.

"Mesmo se for uma reforma potente, demora meses para empregos serem gerados, para avaliar o mercado, construir plataformas. Não é essa reforma da Previdência que vai salvar a economia brasileira. A gente fala muito porque é uma situação de curto prazo e urgência, mas tem outras coisas travadas", complementa.

Em março, houve um saldo de 6.041 postos de trabalho na modalidade intermitente, ante 4.665 no mês anterior, e 2.129 na parcial —foram 3.515 em fevereiro.

Para o secretário Bruno Dalcolmo, não há migração de contratos de tempo indeterminado para os intermitentes. "A gente não identifica isso no mercado, isso foi muito discutido no momento da concepção do intermitente. É a forma de trazer para o mercado formal quem estava na informalidade."

Dalcolmo lembra que os contratados pelo regime intermitente contam com o mesmo respaldo dos admitidos pela CLT. "O objetivo era que o empresário não arbitrasse do ponto de vista financeiro. Quando os custos são os mesmos, o que determinará o tipo de contratação é o tipo de atividade do empresário."

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