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Carteira de trabalho
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

O governo está preparando mudanças no mercado de trabalho que serão a versão 2.0 da reforma trabalhista. O debate se dá em duas frentes: novas ideias sobre tributação do emprego e novas leis trabalhistas. É uma reação a uma realidade na qual a carteira de trabalho e os sindicatos estão sumindo.

A abordagem do Ministério da Economia tem como ponto de partida a reforma tributária. A equipe econômica insiste em fazer uma desoneração da folha de pagamentos em troca da criação de um imposto sobre movimentações financeiras, nos moldes da CPMF. Essa ideia tem evoluído para um proposta intermediária, em que a desoneração seria parcial para todos os trabalhadores e de 100% para os jovens.

Com isso, a equipe do ministro Paulo Guedes teria como colocar na rua a carteira de trabalho verde-amarela prometida na campanha eleitoral. Jovens entrariam no mercado de trabalho sem que as empresas precisem recolher os 20% da contribuição patronal. Como esse dinheiro é o que financia a Previdência, seria necessário outro imposto, no caso, a CPMF reformulada.

Por trás da ideia de Guedes está o crescimento da informalidade no mercado de trabalho nos últimos anos, como reflexo da maior recessão da história. O ministro promete a criação de milhões de empregos a partir da desoneração, visão que está longe de ser consenso entre especialistas. O efeito mais provável é um aumento da formalização de empregos já existentes e uma criação marginal de vagas em setores exportadores competitivos, nos quais esse custo é uma barreira para entrar em novos mercados.

Há três problemas nesse caminho. O primeiro é que a CPMF é um imposto ruim, que incide em toda a cadeia produtiva e onera exportações (retirando parte do ganho, portanto, dos setores mais competitivos). O segundo é que os portadores da carteira verde-amarela precisarão entrar em um sistema de capitalização previdenciária que dificilmente será viável sem uma participação dos empregadores (o que limita a desoneração, na prática). E o terceiro é a criação de um mercado de trabalho dual, em que com o tempo pessoas um pouco mais velhas se tornarão mais caras do que os jovens, jogando o problema da informalidade para outro lado na pirâmide etária.

Tratar o problema do desemprego entre jovens é uma necessidade, mas o governo terá de estudar bem o tamanho da distorção que quer introduzir no mercado de trabalho. A experiência da desoneração feita pelo governo Dilma Rousseff indica que nem sempre as empresas criam mais empregos por causa da desoneração. Um estudo da Organização Internacional do Trabalho publicado em 2015 chegou à conclusão de que a redução na contribuição sobre a folha de pagamento de jovens em países desenvolvidos é ineficiente. Subsídios diretos para a contratação de jovens, em contraste, teve efeitos melhores - uma subvenção que na prática paga pelo treinamento de quem entra no mercado.

A conta para a carteira verde-amarela é mais complexa do que os milhões de empregos propagados pelo governo. E a medida não atuaria sobre o que parece ser a tendência mais forte no mercado de trabalho: a atividade por conta própria. Com a ascensão de dezenas de serviços prestados via plataformas, como Uber e iFood, é crescente o número de brasileiros que trabalham na categoria por conta própria. As alternativas de formalização são o MEI (cuja proteção é muito básica e a um custo fiscal crescente) e a pejotização completa, que tem uma carga burocrática que pode ser excessiva a empreendedores de renda mais baixa, ao mesmo tempo em que é um custo fiscal injusto do ponto de vista de distribuição de renda.

É por essa tendência que podemos afirmar que a carteira de trabalho está morrendo e não é esse ponto que seria atacado pela versão verde-amarela da equipe econômica. Ao mesmo tempo, uma desoneração pequena mas linear para todos os trabalhadores pode aumentar a formalização, com efeitos melhores para a economia do que uma ampla desoneração só para jovens.

A segunda ponta da reforma trabalhista

Além do lado fiscal, que precisa ser discutido com mais profundidade, a reforma trabalhista 2.0 terá uma nova revisão da CLT. Um grupo de trabalho foi criado pelo governo e ele deve discutir uma proposta de modernização da legislação. Se na reforma 1.0 a grande evolução foi dar o poder para o negociado sobre o legislado, na versão 2.0 devem ser esclarecidas as novas relações de trabalho e o papel dos sindicatos.

Na reforma que entrou em vigor em 2017, os sindicatos perderam a receita fácil do imposto sindical. Essa mudança, aliada ao maior papel das negociações diretas entre empregadores e trabalhadores, precisa agora ser acompanhada de uma revisão do sistema sindical. Ele tem um papel importante de contrapeso nas relações trabalhistas, mas no Brasil está engessado por uma combinação de reserva de mercado, sindicatos de fachada e baixa representatividade. É importante que a unicidade sindical seja quebrada e que o trabalhador tenha liberdade para procurar a entidade que preste os melhores serviços ao custo mais baixo.

Ao mesmo tempo, é preciso reduzir a incerteza jurídica sobre o trabalho por conta própria. Recentemente, o TRT-3 reconheceu o vínculo empregatício de um motorista de aplicativo. Isso gera insegurança para o funcionamento de negócios que, durante a crise, têm permitido que milhões de pessoas obtenham renda prestando serviços. A questão aqui é que a proteção a esses trabalhadores precisa ser buscada de outra forma que não o velho vínculo da carteira assinada.

A reforma 2.0 deve continuar a "limpeza" da CLT e normas acessórias que não foram alteradas na primeira leva. Aparentemente, o governo não vai entrar agora em pontos mais polêmicos, como limites a horas extras, pagamento do terço de férias e a multa do FGTS nas demissões sem justa causa. O caminho da modernização da legislação será longo.

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