Anfavea foca na emergência da crise e segue sem previsões

Em Live #ABX20, presidente da entidade afirma que prioridade agora é o caixa, “pagar o boleto do mês”

Por PEDRO KUTNEY, AB
  • 23/04/2020 - 20:00
  • | Atualizado há 2 anos, 9 meses
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    No momento em que enfrenta o que deverá ser lembrado como maior crise da história do setor automotivo, a associação dos fabricantes de veículos instalados no Brasil, a Anfavea, prefere focar suas energias para tentar resolver as diversas emergências provocadas pandemia de coronavírus, que fechou fábricas e reduziu a zero o faturamento das empresas – sem no entanto cancelar despesas. É por isso, segundo o presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, que nesse momento a organização seguirá sem revisar suas projeções de vendas, exportações ou produção.



    Em uma hora de transmissão ao vivo pela internet promovida por Automotive Business, em mais uma das entrevistas com lideranças do setor da série Lives #ABX20 (assista aqui esta e outras lives já gravadas e veja o calendário das próximas), Moraes explicou que, antes de revisar projeções carregadas de incertezas, há muitas outras prioridades para resolver que envolvem a Anfavea.

    “Continuamos sem previsão [de como serão vendas, exportações e produção este ano]. Todos estão sem visão do que pode acontecer, modelos estatísticos com base no ano passado não servem de nada para agora. É muito difícil fazer qualquer projeção no momento. Em vez de gastar energia nisso, precisamos resolver nossos problemas. A prioridade agora é o caixa, pagar o boleto do mês, e planejar a reabertura das fábricas”, afirma Luiz Carlos Moraes.



    Moraes reconhece que o ano será de queda profunda no desempenho do setor que representa, só não arrisca dizer qual a profundidade do penhasco à frente. “Consigo imaginar esse trimestre muito difícil. Dependendo da crise da saúde, o terceiro trimestre deve alcançar um patamar melhor e o quarto também melhor, mas substancialmente os volumes serão muito menores. Acho que vai ser um número muito ruim”, avalia.

    “As consultoria falam em [volumes de mercado e produção] que vão de 1,8 milhão a 2,4 milhões este ano. No mundo a estimativa é de redução de 20 milhões, de 90 milhões [de veículos vendidos] em 2019 para 70 milhões [em 2020], é como se [o mercado de] uma China sumisse do mapa. A direção é por aí. Mas qual o número? Ainda quero esperar um pouco”, ponderou Moraes.

    EMERGÊNCIAS



    Entre as emergências a resolver, está justamente a regularização do sistema de emplacamentos no País, que causa represamentos e amplia a volatilidade – o que ofusca qualquer previsão e reduz a eficiência das vendas on-line. “A média diária caiu para apenas 1,4 mil emplacamentos/dia no fim de março, ontem (22 de abril) chegou a 2.250, já teve dia com 3 mil, 3,5 mil emplacamentos. Existem Detrans funcionando, outros não estão. Claro que isso prejudica a evolução das vendas [que já estão muito baixas]”, explica o presidente da Anfavea.

    “Estamos tentando resolver um problema por vez e o próximo é a agilidades dos Detrans, que também precisam se reinventar, assim como toda a indústria tem de fazer neste momento. Lanço um desafio: por que não fazer um licenciamento virtual, usar placa uma virtual enquanto o carro não pode ser emplacado? Isso facilita a compra, o seguro. Assim como fazemos vendas virtuais, o sistema público poderia também atender de forma virtual e estimular o mercado. Tem cliente querendo comprar”, defende Moraes.

    Esta seria uma das medidas para amenizar o problema maior neste momento, que segue sendo a falta de faturamento com despesas recorrentes que provocam um rombo negativo no caixa. No início de abril o presidente da Anfavea reclamou que os bancos haviam “sentado na liquidez” de R$ 1,2 trilhão que o governo liberou ao mercado, e que aversão ao risco das instituições financeiras os recursos não estavam chegando às empresas.

    “Eu falava [no começo de abril] em nome não só das montadoras, mas de toda cadeia, fornecedores e concessionários que somam 7 mil empresas e sustentam 1,2 milhão de empregos. Os bancos tiveram uma demanda de capital de giro e se retraíram. Isso afetou a disponibilidade de recursos para todo o setor. Não é culpa do setor produtivo ou do setor bancário, é um problema sistêmico. Se nada for feito vai piorar a situação. Mas com esse debate acho que conseguimos sensibilizar o governo, que já reconheceu a necessidade de criar planos de apoio a setores fundamentais para a economia do País, como aviação, energia, automotivo e varejo e não-alimentício”, conta Moraes, que afirma ter reuniões on-line diárias, incluindo sábados e domingos, com representantes do governo e entidades como Anef (financeiras das montadoras), Fenabrave (concessionários), Sindipeças (fornecedores de componentes) e Fenauto (revendedores de usados), entre outras.

    Até o momento, contudo, o dirigente admite que “ainda não temos uma solução”, apesar do “diálogo muito bom com pool de bancos, BNDES, Paulo Guedes (ministro da Economia), Carlos da Costa (secretário especial de Indústria) e profissionais da Anfavea para incrementar o debate e achar um modelo de crédito para tentar mitigar” a situação.

    “Nós dependemos de bancos e eles dependem de nós, dos 1,2 milhão de clientes que têm conta, cartão, cheque especial etc. Cerca de 95% dos carros novos têm seguros, que são vendidos pelo sistema bancário. Enfim, é o que chamo de ‘auto’ dependência entre nós e o sistema bancário”, afirma o presidente da Anfavea.



    Ao menos uma emergência amplificada pela pandemia de Covid-19 foi temporariamente resolvida: os acordos previstos na Medida Provisória 936 editada pelo governo no início de abril para flexibilizar contratos de trabalho, com reduções de jornada e salários, o que permitiu às montadoras manter em casa cerca de 100 mil empregados, sem demissões e com parte dos salários bancados por verbas públicas, enquanto a maioria das fábricas está parada e com previsão de baixa demanda à frente.

    “Ao menos por enquanto essa questão está sob controle, estamos usando parte das ferramentas inseridas na MP e assim evitamos demissões. Mas ainda não sabemos se vamos precisar de outras medidas ou estender por mais tempo essas suspensões, tudo vai depender de quanto tempo a questão de saúde vai durar”, explica Moraes.

    O dirigente afirma que no momento estão paradas 43 fábricas de empresas associadas à Anfavea. No início do mês eram 62, mas alguns fabricantes de máquinas agrícolas já voltaram a operar, pois atendem ao setor do agronegócio que opera em velocidade diferente do resto da economia, com expectativa de colher este ano nova safra recorde de 250 milhões de toneladas de grãos – o que também deve fazer ser menor o tombo nas vendas de caminhões pesados em 2020.

    Moraes informa que os demais associados se programaram para retomar a produção entre maio e junho, de forma gradual. Esta é outra questão emergencial: planejar a volta ao trabalho. “Estamos preparando essa retomada, voltar à produção não é simples, trabalhamos intensamente com os RHs das empresas para organizar tudo do ponto de vista da saúde, separamos o retorno em blocos [de atividades], vendo os exemplos de outros países que estão voltando. Mas com certeza as fábricas não poderão operar como antes, muita coisa vai mudar, vamos viver um novo normal”, avalia.

    “Vamos ter de pensar no transporte dos funcionários, na limpeza em todo o trajeto, limites de aproximação, medição de febre, higienização dos escritórios, máquinas, ferramentas, cuidados de vestiários, como fazer as refeições... Será um modelo e ritmo diferentes, o pessoal de produção está se reinventando para retomar, priorizando saúde e olhando demanda, ainda tentando adaptar a velocidade da linha”, explica.

    O FUTURO PRÓXIMO



    Assim que a organização da volta ao trabalho for concluída, Moraes afirma que o próximo passo será discutir incentivos à retomada do consumo. “Estamos trabalhando nessa linha em todas as direções, com possíveis medidas tributárias, compilando o que já fizemos no passado e olhando o que outros países estão fazendo, porque eles entendem que o setor move a economia e acham importante agir”, diz.

    Ele destaca que, além dos instrumentos tradicionais como redução de impostos e estímulos ao crédito, “também precisamos inovar, pensar em soluções criativas”. O dirigente inclui uma proposta de um programa de renovação de frota entre as iniciativas possíveis, mas diz que nada nesse sentido foi apresentado ainda, “mas como presidente de uma associação estou aqui lançando esse desafio, para que as pessoas comecem a pensar nisso e apresentem suas ideias, vamos precisar”.

    “Vamos precisar estimular o consumidor, o operador, o empresário voltar a comprar no futuro próximo. Além da saúde dos trabalhadores, penso também na economia, precisa achatar essa curva [de queda] para que a depressão seja a menor possível, ou muita gente vai morrer no caminho.”



    Enquanto isso, Moraes reconhece que os investimentos bilionários programados pelos associados para os próximos anos “neste momento estão congelados, significa que ninguém pode gastar aquele dinheiro que está no orçamento, porque não há recursos para isso agora, antes temos de proteger o caixa e não gastar”.

    Ele diz que o setor ainda não rediscutiu com o governo nenhum prazo para adoção obrigatória de novos equipamentos de segurança veicular, novas etapas da legislação de emissões (Provonve P8 e L7) ou metas de eficiência energética previstos pelo programa Rota 2030. Mas admite que após o fim da quarentena essas discussões serão inevitáveis. “A Anfavea é a favor de melhorar a eficiência, aumentar a segurança, mas precisa ver agora se temos condições. Estamos discutindo com as empresas, esse vai ser um tema que vamos conversar.”

    CENÁRIO ADVERSO



    Moraes espera por impulso das vendas on-line mesmo após o fim da quarentena – “algumas montadoras já tinham iniciativas implantadas antes da crise e aquilo que era um projeto embrionário talvez se torne uma grande ferramenta de venda” –, mas em escala insuficiente para compensar toda a queda do mercado. “Apesar dos juros baixos, o comprador de automóveis continuará com dificuldades, o desemprego tende a crescer e isso terá impacto negativo no futuro próximo”, argumenta.

    A situação do mercado de caminhões é um pouco melhor, pois o agronegócio continua a puxar as vendas, mas não em todos os segmentos, o que torna a contração inevitável, ainda que menor. O setor de cana, por exemplo, sofre com a queda das vendas de etanol e açúcar.

    Para os ônibus o horizonte é de retração maior, pois com a redução ou paralisação do transporte público as empresas tiveram queda de 60% a 70% no faturamento e as cidades pararam de renovar suas frotas. O segmento rodoviário de passageiros também reduziu drasticamente as atividades e as receitas caíram 80%.

    “Temos capacidade técnica de produzir 5 milhões de veículos por ano. Estávamos prevendo produção de pouco mais de 3 milhões este ano, considerando um aumento do mercado interno e queda das exportações. Agora tudo mudou, o mercado interno terá um queda que será dramática e as exportações serão ainda piores com problemas na Argentina e outros países da região. É um problema difícil, cada empresa vai ter que fazer sua conta”, admite Moraes.



    O dirigente lamenta que após as medidas de quarentena o legado da crise será pior e vai demorar mais a passar no Brasil do que em outros países, “porque não fizemos a lição de casa e a conta virá mais cara, a situação já não era boa antes e agora tudo ficou mais difícil, temos muitos problemas”. Ele aponta as já conhecidas mazelas nacionais como carga tributária elevada, renda baixa, desemprego alto (e crescente). “Tudo isso vai dificultar a retomada”, diz. “Dever de casa é cuidar dos seus, cuidar da população, que está pagando a conta agora.”

    Moraes também aponta “a falta de coordenação” dos governantes para lidar com a situação crítica atual: “Numa situação como essa, precisa ter governo, Legislativo, Judiciário e Executivo trabalhando juntos, coordenados. Dadas as circunstâncias, não poderia haver esses ruídos todos. Vejo muita discussão e pouca ação”, afirma.

    Mas a crise também deixa alguns legados positivos, segundo Moraes: “Vejo mais agilidade com uso de tecnologias de conexão, a vida está acontecendo [com elas], não é preciso gastar tempo em dinheiro em deslocamentos, descobrimos que não é necessário sair do lugar para resolver muitas coisas. O comportamento é um novo legado, é algo que veio para ficar, como a gente vê a família, a solidariedade mexeu com a sociedade, com as empresas, muitas doando, fazendo máscaras. Tem a valorização da ciência – cientistas de vários países se falando, tentando encontrar uma solução [para a doença].”

    Assista abaixo na íntegra à Live #ABX20 com Luiz Carlos Moraes: