Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Bolsonaro pede ao Congresso que priorize pauta econômica, mas não cita reforma administrativa

Entre os temas destacados estão reforma tributária, pacote que muda regras fiscais e marco legal do saneamento

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Brasília

Após um primeiro ano marcado por quedas de braço, o presidente Jair Bolsonaro defendeu, em mensagem enviada ao Congresso, nesta segunda-feira (3), uma relação harmônica entre o Executivo e o Legislativo e destacou a pauta econômica como prioridade para 2020. 

No trecho do documento lido pela primeira-secretária da Câmara dos Deputados, Soraya Santos (PL-RJ), o presidente citou como exemplos de projetos do governo que "precisam da devida apreciação e votação" a reforma tributária, a independência do Banco Central, a privatização da Eletrobras, o novo marco legal do saneamento básico e o pacote que altera regras fiscais.

 Chamou a atenção o fato de a mensagem nem mencionar a reforma administrativa.

 A proposta é considerada prioritária pela equipe econômica e defendida publicamente pelo ministro da Economia Paulo Guedes, mas enfrenta resistência até mesmo junto ao núcleo político do Palácio do Planalto.

No documento de 150 páginas entregue pelo Palácio do Planalto aos deputados e senadores, a reforma administrativa é citada diretamente em apenas um momento, quando o governo federal defende uma estratégia de comunicação que esclareça à sociedade sobre as suas propostas legislativas.

"Temas como agenda econômica, reforma tributária e administrativa, privatizações e concessões, política internacional,  agronegócio, entre outros, exigirão uma comunicação mais efetiva, estruturada e que informe de forma clara e objetiva a mudança de rumo do País e a defesa dos interesses da nação", diz trecho do documento que não foi lido aos parlamentares.

A postura do presidente representa um contraponto ao discurso de Guedes. Na semana passada, ele disse durante evento econômico, em São Paulo, que a reforma administrativa é uma prioridade e deve ser enviada em fevereiro. O ministro passou a mesma mensagem aos investidores com quem conversou durante o Fórum Econômico Mundial. O ministro afirmou que a reforma administrativa seria aprovada em 2020.

A ideia inicial era que a proposta fosse enviada no ano passado, mas a pressão de líderes partidários levou o presidente a adiá-la para este ano. Ela é considerada sensível porque atinge uma categoria de trabalhadores que tem forte poder de lobby sobre os políticos. 

A frente parlamentar do serviço público, por exemplo, tem 255 deputados federais. Isso corresponde a quase metade dos 513. As mudanças de regras atingem, além dos servidores do Executivo, os do Judiciário e do Legislativo, que atuam diretamente em contato com os congressistas.

Como o ritmo do Poder Legislativo diminui em ano de eleições municipais, o receio da articulação política do Poder Executivo é que uma proposta impopular possa estimular retaliações em plenário, inviabilizando a pauta do governo.

Na saída da solenidade, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que a medida foi citada indiretamente quando o governo faz referências à necessidade de aprovação de mudanças no país.

"A reforma administrativa não ficou fora da mensagem. Ela está no contexto de que nós continuaremos reformando o Brasil. Deverá vir uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) conceitual tratando da reforma administrativa para os novos funcionários. Queremos construir um serviço público no padrão inglês", disse. "Nós afirmamos que as reformas continuarão".

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou a falta de articulação do governo sobre a proposta e indicou que considera a reforma tributária mais importante para o país neste momento.  Segundo ele, o limite do Poder Legislativo é "o texto que o governo mandar"

"Eu estou vendo que o governo deve estar conversando pouco, porque tem uma parte que quer a administrativa. Agora, pelo que a gente viu, quem escreveu esse texto quer a tributária. Eu fico feliz, porque a administrativa é importante, nós vamos votar, mas é a tributária que fará o Brasil voltar a ter produtividade no setor privado, que vai voltar a gerar crescimento sustentável", disse.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse que a reforma administrativa é uma das prioridades do governo e que tem de ser enviada ao Legislativo até o final deste mês para ser aprovada até o final do primeiro semestre. A ideia de integrantes da equipe econômica é enviá-la até a segunda quinzena de fevereiro.

"A [reforma] administrativa tem que chegar este mês ou não temos condições de aprovar até abril na Câmara", afirmou Bezerra.

Na mensagem enviada do Congresso, o presidente destacou que apenas a união entre o Executivo e o Legislativo poderá construir um país "grande" e "justo" e agradeceu "imensamente" o Congresso pelas propostas aprovadas no ano passado.

O texto foi entregue ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pelo ministro Onyx Lorenzoni, Bolsonaro, que cumpriu agenda em São Paulo, não compareceu à cerimônia.

"O Brasil já mudou e agradecemos imensamente ao Congresso Nacional por construir conosco este novo momento", disse. "Em 2020, continuaremos trabalhando em prol do nosso Brasil e da nossa democracia. Esperamos e confiamos que a voz da população brasileira seja ecoada no Congresso e que seus anseios prevaleçam, acima de tudo", acrescentou.

Para a sessão legislativa, houve um esforço dos líderes partidários para mostrar a volta aos trabalhos numa segunda-feira, dia atípico para o Congresso, mas o resultado foi um plenário esvaziado de parlamentares. 

Além disso, o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), e o Secretário de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, responsáveis pela articulação entre Planalto e Congresso, trocaram a cerimônia simbólica por acompanhar Bolsonaro em evento institucional na rede de televisão Bandeirantes, em São Paulo.

No discurso, o presidente destacou que, em 2020, o governo federal dará continuidade  ao esforço para o ingresso do Brasil na OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e defendeu que, no passado, o Brasil "foi distanciado das grandes potências mundiais".

"Nós mantivemos diálogos produtivos com diversos países e avançamos em questões fundamentais para a reinserção do Brasil no mundo, visando a prosperidade do país e do povo brasileiro. O viés ideológico deixou de existir em nossas relações com o exterior e o mundo voltou a confiar no Brasil", disse.

Ele também ressaltou que, para este ano, terá como objetivo melhorar as políticas públicas, garantindo educação de qualidade para a população e melhorando o acesso e a qualidade à saúde.

"É urgente melhorar o acesso e a qualidade à saúde e a eficiência na gestão de serviços e recursos. E aumentar a segurança da população brasileira é um grande desafio e uma meta do nosso governo", disse. "Permanecemos desconstruindo a inversão de valores que há muito imperou em nosso país para devolver, de vez, a paz aos brasileiros", acrescentou.

No ano passado, o Executivo sofreu umas série de derrotas no Legislativo, com a queda de vetos presidenciais e a perda de validade de medidas provisórias. Bolsonaro também protagonizou trocas de críticas com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Em seu discurso, Maia fez um apelo por responsabilidade fiscal. "O momento que o país atravessa, entretanto, é de grave crise fiscal. Ele nos remete a um único caminho: o da responsabilidade fiscal, que permitirá, em curto prazo, que gastemos menos com a estrutura do Estado e mais com políticas sociais para nossa população", afirmou. 

"Temos que construir meios para aumentar a produtividade do setor público, bem como para investir melhor os recursos destinados às políticas públicas", disse. 

Maia é um dos principais defensores da reforma administrativa, que não foi mencionada claramente como prioridade pelo governo. Além disso, ele é o principal fiador da agenda econômica e vem colocando a reforma tributária como prioridade da Casa para este ano desde o final de 2019.

Segundo Bezerra, as três PECs (propostas de emenda à Constituição) do pacotaço que altera regras fiscais e orçamentárias serão aprovadas no Senado até o fim de abril e, na Câmara, até o fim do  primeiro semestre.

Formuladas pela equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), as PECs chegaram ao Senado em novembro sob o nome de Plano Mais Brasil.

Na avaliação de congressistas, a menos polêmica é a que extingue fundos públicos. A mais controversa é a PEC Emergencial, que prevê medidas para controlar gastos obrigatórios do governo em caso de situação fiscal crítica. 

 Também há a PEC do Pacto Federativo, que traz, em parte, conteúdo semelhante à da Emergencial.

 Como a Folha mostrou no domingo (2), o governo admite desidratar estas propostas para garantir a aprovação ainda neste ano.

 "O espaço de manobra é total", reconheceu Bezerra Coelho.

 O líder do governo no Senado também afirmou que, até o fim de abril, as reformas tributária e administrativa serão aprovadas na Câmara e, depois, no Senado, até julho.

 Segundo o senador, Câmara e Senado devem apresentar uma proposta em comum de reforma tributária até o fim de fevereiro. Depois disso, o Ministério da Economia enviará sugestões para serem anexadas ao relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

 Na lista de prioridades do governo para 2020 também está a privatização da Eletrobras, mas o senador admitiu que ainda é preciso fazer mais articulações políticas para vencer a resistência que a medida enfrenta no Senado.

 "Acho que tem varias outras matérias que serão prioridades, inclusive esta. Mas é preciso ainda uma construção política em relação à aprovação da privatização ou da abertura do capital da Eletrobras. Esta a gente precisa acompanhar com cuidado", disse o líder do governo no Senado.

Sobre o novo marco legal do saneamento, aprovado na Câmara no ano passado, o texto ainda será discutido no Senado, mas o governo quer aprovar esta matéria o quanto antes.

Bezerra também comentou o fato de Alcolumbre ter incluído em sua lista de pautas prioritárias mudanças na forma de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje uma prerrogativa do presidente da República.

Bolsonaro poderá fazer duas substituições com base na regra que estabelece aposentadoria compulsória de ministros quando eles completam 75 anos. Celso de Mello deixa o STF em novembro deste ano e Marco Aurélio, em julho de 2021.

Por causa dos últimos embates com o ministro Sergio Moro (Justiça), Bolsonaro voltou a considerar indicar o ex-juiz da Lava Jato para a primeira cadeira a ficar vaga. Esta seria uma maneira de o presidente eliminar um virtual adversário eleitoral em 2022 e também de garantir mais ingerência sobre o Ministério da Justiça.

A presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), já sinalizou a colegas que não pautará nenhuma proposta que mude as regras de escolha para o governo atual. Além disso, ela tem dito que a comissão manterá o foco na agenda econômica. As três PECs prioritárias do governo tramitam agora no colegiado.

Bezerra Coelho também minimizou o interesse de se discutir esta matéria.
"Estou falando das prioridades do governo. O que o governo quer é botar o país para voltar a crescer e gerar emprego. Este tema será apreciado no colégio de líderes do Senado. Não tivemos nenhuma reunião, não temos como opinar", afirmou o líder do governo no Senado.

O líder da maioria na Câmara, Aguinaldo Ribeiro, que é relator da proposta de reforma tributária que tramita na Casa, afirmou que os parlamentares têm disposição para aprovar o texto no primeiro semestre. 

"Eu tenho convicção que ha um compromisso do Congresso Nacional com a reforma tributária, para que possa ser aprovada ainda no primeiro semestre. Acho que ambas as Casas trabalharam bastante nisso no ano passado, estamos avançados e a ideia é que já essa semana possamos avançar na comissão especial", disse. 

O deputado também falou sobre a possibilidade de uma reforma impopular com os servidores, como a administrativa, ser aprovada em ano eleitoral. "É uma reforma que atinge o futuro, não o presente, se for isso tem um impacto reduzido", afirmou ele. 

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