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Licença estendida falha em manter mães no mercado de trabalho

Apenas 40% das que têm direito aproveitam benefício extra na maternidade

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São Paulo

O casal Melissa, 39, e William Pereira, 37, enfrenta situações opostas no mercado de trabalho desde que descobriu, no início do ano passado, que teria sua segunda filha.

Alice nasceu em setembro, e William está, agora, no início do terceiro mês de uma licença remunerada de 26 semanas —cerca de seis meses— para cuidar da menina.

“Quando veio o comunicado da empresa, foi até um susto. A licença longa para homens é um benefício incomum no país”, diz o analista financeiro, ao comentar o anúncio da política de sua empregadora, a fabricante de bebidas Diageo, em meados de 2019.

Retrato do casal com cada filho no colo sentado em um sofá; os pais fazem carinho nas filhas
William Pereira, 37, e sua esposa Melissa, 39. Ele trabalha na Diageo e desfruta da licença paternidade de seis meses. Ela teve apenas quatro meses e foi demitida recentemente, três dias depois de voltar a trabalhar - Bruno Santos/ Folhapress

No setor formal privado brasileiro, os homens têm direito a cinco dias corridos de licença após o nascimento de um filho, e as mulheres, a quatro meses. Empresas que fazem parte de um programa especial do governo oferecem 20 dias e seis meses, respectivamente, em troca de um desconto tributário. Benefícios extras, que não se enquadram nesses casos, são pagos integralmente pelo empregador.

Melissa, que teve licença de quatro meses somada a um de férias após suas duas gestações, estava aliviada com o novo direito de William. Quando a também analista financeira voltou a trabalhar depois do nascimento de Isadora, há seis anos, o marido não estava em casa para revezar com ela.

Mas, então, veio o segundo susto do casal, este negativo. Melissa foi demitida em uma segunda (2 de março), três dias após reassumir o cargo que ocupava havia dez anos em uma metalúrgica brasileira, cujo nome o casal preferiu não revelar.

A lei garante aos pais estabilidade durante a gravidez e a licença, mas não depois. “Foi uma notícia triste. Não esperávamos”, afirma William. “Ao menos, posso cuidar das meninas, enquanto ela busca outro trabalho tranquila.”

A história de Melissa e William ilustra achados de pesquisas que investigam a efetividade de políticas voltadas à família após o nascimento dos filhos. Essas medidas se tornaram mais comuns, em parte, devido às comprovadas dificuldades que muitas mulheres enfrentam para se manter no mercado depois que se tornam mães. O problema é que nem todas as políticas surtem os efeitos esperados.

Um estudo novo mostra, por exemplo, que só quatro em cada dez mulheres com direito à licença-maternidade de seis meses no setor privado, no Brasil, aceitam o benefício.

 

Por trás do percentual reduzido, escondem-se diferenças marcantes. Entre mulheres com diploma universitário, 47% optam pelo benefício. Essa fatia cai para 30% entre as trabalhadoras que não concluíram o ensino médio.

O recorte feito por raça traz resultados parecidos: 43% das brancas, indígenas e amarelas aceitam estender a licença, mas somente 29% das pretas e pardas tomam essa decisão.

Além da baixa adesão, a política tem efeito nulo sobre a permanência das mulheres no mercado de trabalho depois da maternidade.

Um ano após o nascimento da criança, cerca de 20% das profissionais com direito ao benefício já deixaram seus empregos, por decisão própria ou porque foram desligadas. A fatia é idêntica à registrada entre mulheres que trabalhavam no mesmo conjunto de empresas, mas não tiveram direito à licença estendida por pouco tempo, devido à data de sua adoção.

“A participação das mulheres elegíveis só aumenta em relação às demais por um breve período durante e logo após a licença estendida” 

Cecilia Machado, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV

Ela e Valdemar Pinho Neto, da Universidade de Chicago, são autores do estudo que chegou a essas conclusões. Seu objetivo era mensurar o impacto do programa “Empresa Cidadã”, que permitiu os afastamentos mais longos a partir de 2010, sobre o comportamento feminino.

Eles analisaram as movimentações, entre 2009 e 2015, de 31.590 mulheres contratadas formalmente por 18.878 empregadores que aderiram ao projeto —em sua maioria, empresas de grande porte.

A inclusão do ano anterior ao início do programa garantiu uma amostra de funcionárias que não tiveram a opção do benefício. Elas serviram como grupo de comparação às profissionais potencialmente beneficiadas.

Ao contrário da licença-maternidade regular de 120 dias —que, no Brasil, é compulsória—, o benefício dos dois meses extras é opcional. Os empregadores que aderem ao programa se comprometem a oferecê-lo, mas a mulher pode recusar a extensão. Isso também vale para os 15 dias extras oferecidos aos homens.

Defendidas como incentivo a um retorno mais tranquilo dos pais ao trabalho, licenças mais longas também beneficiam as crianças. A OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda aleitamento materno exclusivo por seis meses.

Estudos mostram que a proximidade da família e um ambiente com menor estresse contribuem para o desenvolvimento cognitivo e emocional dos bebês.

Esses aspectos positivos suscitam a pergunta: por que, então, 60% das mulheres brasileiras que têm direito ao afastamento com remuneração integral recusam a extensão?

A bancária Renata Isabel Tiso, 33, não tem resposta precisa, mas relata que, quando estava grávida da segunda filha, colegas do trabalho lhe recomendaram tirar só os quatro meses regulares, “que já estava bom”. Ela ignorou os conselhos porque tinha uma filha maior e sabia da importância dos cuidados nos primeiros meses de vida para a criança.

Para Cecilia, da FGV, que também é colunista da Folha, as normas sociais brasileiras ajudam a explicar a recusa elevada à licença estendida no país.

“No Brasil, a norma ainda é a mulher cuidar dos filhos e da casa. Então, no fundo, talvez a sociedade não aceite bem a licença-maternidade”, diz ela.

Dados da Pnad, do IBGE, mostram que, em 2015, 89,1% das mulheres de 25 a 44 ocupadas relatavam ter feito algum afazer doméstico na semana em que foram entrevistadas. Entre os homens com características comparáveis, essa parcela era de 56,5%.

Cecilia ressalta que o benefício mínimo de quatro meses no setor privado (no público, são 180 dias para todas as mulheres) é compulsório. Não há possibilidade de recusa por parte da empregada.

“Com a licença obrigatória, o Legislativo tenta induzir um maior equilíbrio social”, afirma a economista.
Mas dados e relatos indicam que, tanto no Brasil quanto em outros países, o equilíbrio entre os sexos no mercado de trabalho está longe de ser alcançado.

Retrato da mãe com o filho, que está deitado em cima de uma mesa. Os dois sorriem para a foto
A professora e tradutora Alessandra Lobo Oliveira Santos, 36, com seu filho Ian Rechenback, 5, em seu apartamento em São Paulo. Ela teve direito ao benefício da licença-maternidade de até 180 dias na escola particular onde dava aulas, mas devido aos problemas antes do período de afastamento, pediu demissão do trabalho - Eduardo Knapp/Folhapress

Muitas mulheres percebem mudança no comportamento de seus empregadores em relação a elas já durante a gestação. A professora Alessandra Lobo Oliveira Santos, 36, conta que recebeu duas advertências da direção da escola particular onde trabalhava quando estava grávida de Ian, hoje com cinco anos.

O motivo alegado foi sua ausência da sala de aula. Mas, segundo ela, isso era decorrência de complicações na gestação, que levaram os chefes a deixá-la sem nenhuma turma.

Dois dos seis meses de pausa aos quais Alessandra tinha direito foram usados para uma licença antecipada pois o bebê estava abaixo do peso. No fim dos 180 dias, ela resolveu pedir as contas. “Ele era do tamanho do meu antebraço, eu lembrava a pressão toda, e disse: ‘Não vou dar conta’”.

Formada em letras, a professora deixou o magistério e, hoje, trabalha como autônoma, com revisão e tradução de textos.

Alessandra é parte das estatísticas que mostram que a maternidade ainda tem um impacto grande na vida laboral das mulheres. Em 2015, segundo o IBGE, 36% das profissionais brasileiras empregadas, cujo filho menor tinha seis anos, reportavam fazer uma jornada superior a 35 horas semanais. Entre os trabalhadores homens, na mesma condição, esse percentual era 82,6%.

Outra diferença entre os dois sexos bastante documentada é a distância salarial, que começa pequena no início da carreira, vai aumentando com o tempo e, após o nascimento dos filhos, se torna considerável.

O pesquisador dinamarquês Henrik Kleven, da Universidade Princeton, é um estudioso desse fenômeno, chamado de penalidade salarial. Um estudo recente do economista e de quatro coautores investiga a magnitude e possíveis causas do impacto distinto da chegada dos filhos na remuneração de homens e mulheres.

Eles concluem que, nos países nórdicos, que têm políticas familiares mais generosas, a penalidade é mais baixa.

Na Suécia, onde as mães são menos afetadas, o salário delas é 27% menor dez anos após o nascimento de um filho ou de uma filha. Na Alemanha, a queda é de 61%. Os salários dos homens, de forma geral, não caem com a paternidade.

Outros estudos mostram que medidas focadas nos pais —como os incentivos da Suécia e da Noruega para que eles também tirem licenças longas— têm reflexos positivos sobre toda a família. O estresse materno cai, a saúde da criança aumenta, e a presença feminina no mercado sobe.

Mas, como mostram as conclusões de Kleven, essas políticas explicam apenas uma pequena parte das diferenças nas penalidades salariais entre os países. Segundo eles, as normas sociais —apontadas por Cecilia como possível causa da baixa adesão à licença estendida no Brasil— também estão por trás da distância entre Suécia e Alemanha.

Os estudiosos ressaltam que é difícil mensurar o impacto de diferenças culturais, mas apontam evidências de que, nos países onde há maior equilíbrio entre os sexos, a tendência a uma maior presença feminina no mercado de trabalho vem de gerações anteriores.

Além disso, eles identificam uma correlação interessante: nações onde a parcela da população que acredita que a mãe deve ficar em casa para cuidar dos filhos é grande, a penalidade salarial também tende a ser maior.

Duas profissionais e mães brasileiras que vivem na Suécia, ouvidas pela Folha, concordam que valores culturais contribuem para a maior equidade entre mulheres e homens no país europeu.

“Aqui, todos, do funcionário no nível mais baixo ao CEO [presidente executivo] da empresa, tiram licença. Isso contribui para que a mulher não seja prejudicada aos olhos do empregador em comparação ao homem” 

Giulianne Trevisan, professora de educação física e mãe de um filho de um ano e cinco meses

A economista Gabriela Marcondes, cuja filha também nasceu na Suécia há quatro anos, ressalta que os partidos de esquerda do país defendem novos incentivos legais para criar um equilíbrio ainda maior entre homens e mulheres.

Hoje, embora pais e mães tenham direito a dividir o tempo máximo de 480 dias da licença familiar, a tendência, segundo ela, ainda é que as mulheres fiquem mais tempo com os filhos.

Giulianne diz que os incentivos à equidade na Suécia causam estranhamento nas famílias brasileiras que vão viver lá, levando alguns homens até a recusar períodos mais longos de afastamento quando nascem os filhos. “Acho que eles se sentem como as mulheres se sentem no Brasil”, afirma.

William, da Diageo, relata que foi exatamente isso que ocorreu com ele quando soube que a empresa, dona das marcas Johnnie Walker e Smirnoff, passaria a oferecer seis meses de licença remunerada a todos os seus funcionários, inclusive àqueles em relações homoafetivas.

“A gente se coloca no lugar das mulheres. A primeira coisa que vem à mente é o medo da demissão na volta”, diz. “Mas percebo uma mudança do mercado nessa direção de conscientizar a sociedade de que a obrigação de cuidar dos filhos é do pai e da mãe.”

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