Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

PIB do Brasil ainda dança na noite dos desesperados

2020 deve ser melhor, mas país zumbi vive de bolo de pote e aplicativo de comida

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É um erro perguntar se o Brasil vai viver outra década perdida na economia. Já viveu. Ao final deste ano, a renda per capita ainda será menor que a de 2010.

E daí?

Estatísticas históricas não pagam dívidas. Agora seria o caso de “enterrar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos” (ou abrir?), como teria dito um marquês ao rei de Portugal sobre o que fazer depois do terremoto de Lisboa, em 1750. Mais difícil é o que fazer diante de tantos mortos-vivos da miséria de 2020, mas o marquês desconhecia o apocalipse zumbi.

A história da renda per capita serve para nos lembrar do buraco em que ainda estamos, fossa esquecida nestes dias de discussões sobre ninharias decimais e outros ruídos estatísticos do PIB, festejado com bajulação, quando não com mentiras em TV nacional. A economia vai crescer 1,1% ou 1,3%? É “néris e reles e nem nada de nada” (cortesia de Haroldo de Campos, o poeta).

É verdade que, desde 2014, não havia perspectiva mais fundamentada de algum crescimento como agora. O ano de 2020 pode ser melhor, dados os desempenhos do segundo e do terceiro trimestres de 2019, o estímulo artificial da demanda (“voilà”) de FGTS e afins, juros baixos e certa arrumação da casa fiscal.

Caixas de um supermercado vistos de cima, com pessoas comprando e pagando suas compras.
Interior de supermercado do Grupo Líder, em Belém (PA) - Dirceu Neto/Folhapress

O que será esse PIB depois da gripe? Segue um exemplo, de relatório do Credit Suisse:

“Os números mais favoráveis da população empregada e a implementação de medidas para tornar o mercado de trabalho mais flexível no Brasil devem mudar a composição da massa salarial nos próximos anos. Esperamos que a massa salarial continue a apresentar expansão moderada em 2020-2021. O principal motor desta aceleração deve ser a expansão da população empregada, com crescimento do salário real mais modesto do que em anos anteriores”.

Isto é, a soma de rendimentos do trabalho vai crescer porque deve haver mais gentes empregadas, não por que vão ganhar mais, também por causa da reforma trabalhista. O salário médio ora cresce ao ritmo anual de 0,6%.

Sim, estão dadas algumas condições necessárias, quando não típicas, de saída de recessões, como juros baixos e salários reais deprimidos. Mas o fato é que o impulso para crescer será pequeno, embora seja difícil prever parte da reação de empresas às condições econômicas e financeiras.

Não haverá grande investimento privado, não haverá obras concedidas à iniciativa privada e o investimento público ainda vai minguar, o que tem sido até comemorado por muito analista Pangloss jeca, um mercadismo do mais vulgar. No mais, vai devagar a limpeza de entulhos regulatórios e distorções de mercado que tornam a economia essa ineficiência cartorial demente.

Muito importante, não se sabe até quando vai funcionar esta nossa geringonça de direita, o “parlamentarismo branco” que governa o país na economia e no mais contém tentativas de atrocidade maior do governo.

Jair Bolsonaro continua firme no seu propósito de “quebrar o sistema” político-partidário e democrático. Note-se que tumulto político anual tem sido a norma desde 2013, o que muito contribuiu para destroçar a economia.

Ainda atravessamos a “noite dos desesperados”, aquele filme sobre os concursos sinistros de dança sem fim da Grande Depressão nos Estados Unidos: os dançarinos que não morressem de exaustão levavam um troco para casa.

No concurso de 2020, ganha quem não morrer depois de uma maratona 24/7 de entrega de bolo de pote para um aplicativo de restaurante.

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