Caminhão a gás tem custo maior que diesel

Caminhoneiro gastaria R$ 50 a mais para percorrer 1.000 km em veículo movido GNV

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São Paulo

A primeira impressão passada pelo caminhão movido a gás natural é o baixo nível de ruído. A segunda é o cheiro no ar, ou melhor, a ausência dele. Após ser processado no sistema de escapamento, o gás torna-se praticamente inodoro.

O veículo é a proposta da Scania para reduzir a dependência do petróleo e aproveitar futuros incentivos ao GNV. O modelo começa a ser vendido na Fenatran, feira do setor de transporte que será aberta ao público nesta segunda (14), em São Paulo.

Em uma volta ao volante do caminhão P340 6x2 a gás na pista da fábrica, em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo), nota-se pouca diferença em comparação ao diesel. É um teste controlado e sem uma carreta para puxar, mas os números de potência e torque são próximos. O maior problema são os valores.

Dois caminhões, um azul e um branco, em pátio de fábrica
Caminhões da Scania movidos a GNV (gás natural veicular) no pátio da fábrica, em São Bernardo do Campo (SP) - Eduardo Sodré/Folhapress

Silvio Munhoz, diretor comercial da Scania no Brasil, diz que os primeiros caminhões a GNV serão entregues no início de 2020 com preço que, a princípio, deverá ser 30% maior do que as versões atuais. Hoje, o P340 6x2 turbodiesel custa aproximadamente R$ 400 mil.

Em julho, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, revelou o plano de estimular o uso do GNV na frota de veículos pesados. Contudo, a ideia só dará certo caso haja forte redução dos preços do combustível, incentivos à compra e melhora na distribuição do gás Brasil afora. Sem isso, os custos inviabilizariam o negócio.

De acordo com a Scania, o caminhão movido a gás natural consegue rodar 2,5 quilômetros com um metro cúbico de GNV. Com diesel, um modelo de potência e capacidades equivalentes faz a média de 3,07 km/l.


O levantamento nacional de preço dos combustíveis feito pelo ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) entre os dias 6 e 12 de outubro mostra valores médios de R$ 3,77 para o litro do diesel S10 e R$ 3,19 para o metro cúbico do gás natural veicular.


Com essas bases, o caminhoneiro irá gastar R$ 1.228 com reabastecimentos para percorrer 1.000 quilômetros em um veículo movido a diesel. No caso do GNV, o custo da mesma viagem sobre para R$ 1.276.

O Ministério de Minas e Energia não tem, até o momento, nenhum plano de incentivo específico para a alternativa de combustível. Em nota, o órgão afirma que o recém-lançado programa Novo Mercado de Gás deve levar a uma redução no preço do produto “e isso, de alguma forma, pode vir a refletir sobre a utilização do gás em veículos.”

“O GNV é bastante eficiente e pode alcançar bons números de consumo, mas hoje a conta ainda não fecha. A tendência é que o gás sobre no país, o que vai reduzir os valores”, diz o engenheiro Renato Romio, chefe do laboratório de motores e veículos do Instituto Mauá de Tecnologia.

O engenheiro acredita que a conversão de caminhões é uma alternativa tecnicamente viável, com ganhos ambientais. Nessa modalidade, os veículos passam a utilizar os dois combustíveis.

Antonio Gatti, gerente de operações da Landirenzo Brasil, empresa que desenvolve e instala sistemas de gás natural veicular, explica que o sistema trabalha no ciclo diesel, em que a mistura ar/combustível explode pela compressão dentro do cilindro, sem que haja centelha gerada por uma vela.

O gás é queimado junto a essa mistura, o que reduz as emissões. O consumo pode ser maior ou menor, a depender da demanda por força. Novamente, o problema está nos custos envolvidos.

Gatti diz que a conversão pode custar, em média, R$ 30 mil e chegar a cerca de R$ 50 mil. Ou seja, só será vantajoso para caminhoneiros e frotistas caso o preço do GNV caia significativamente e haja algum programa de incentivo, com financiamento da conversão.

O ganho maior é ambiental. O uso do gás natural combinado ao diesel pode gerar redução de 10% a 12% das emissões de CO2 e de cerca de 30% de diminuição de particulados, mas as vantagens dependem da tecnologia empregada no caminhão.

Apesar da possibilidade de se tornar viável com o barateamento do combustível, o GNV não é unanimidade. A Mercedes-Benz começou a investir nessa solução nos anos 1980, mas, depois de duas décadas, mudou o foco. Hoje, a montadora aposta no HVO, sigla em inglês para óleo vegetal hidrotratado.

Segundo a fabricante, essa opção pode ser utilizada em qualquer tipo de motor a combustão. Sua molécula sintética é igual a do diesel comum e também pode ser produzida a partir de gordura animal.

“No caso dos ônibus, a utilização do GNV acrescenta 1,5 tonelada, o que significa deixar de transportar de 15 a 20 passageiros”, diz Curt Axthelm, gerente de marketing da divisão de ônibus da Mercedes-Benz do Brasil. Com isso, cada ônibus deixa de transportar de 15 a 20 passageiros.

Crítica semelhante é feita pelo engenheiro Henry Joseph, diretor técnico da Anfavea, entidade que representa as montadoras instaladas no Brasil.

“O consumo de GNV é razoavelmente alto, o que inviabiliza percorrer grandes distâncias. Além disso, o sistema ocuparia muito espaço de carga”, diz Joseph. Para ele, as possibilidades estão no uso urbano, com caminhões leves movidos a gás natural.

Essa opção está sendo testada no Brasil pela FPT Industrial, que produz motores para os VUCs (veículos urbanos de carga) da marca Iveco. Opções 100% movidas a GNV já circulam em países da América do Sul —há ônibus no Peru, por exemplo.

Para Marco Rangel, presidente da FPT Industrial para América do Sul, o gás natural passa por sua primeira etapa de viabilidade econômica. O executivo acredita que o uso do biogás como alternativa para abastecimento vai possibilitar a expansão da rede de abastecimento. A fonte desse combustível está em resíduos agrícolas e industriais, além do gerado em aterros sanitários.

Rangel diz que, por enquanto, os veículos movidos a gás natural são apenas de demonstração, sem previsão de lançamento comercial. Todos podem utilizar biogás veicular sem restrições.

A distribuição do GNV no país ainda é irregular, com maior presença nos estados do Sudeste e em Santa Catarina. Hoje, não seria possível fazer uma viagem para a região Norte utilizando apenas o gás.

Segundo Gabriel Kropsch, vice-presidente da Abiogás (Associação Brasileiro do Biogás), se o consumo de GNV passar dos 6 milhões de metros cúbicos atuais para 12 milhões, essa nova demanda poderia ser atendida em um intervalo entre 18 e 24 meses.

É uma visão otimista, que considera a utilização de biogás veicular para o abastecimento rodoviário, com instalações de usinas de conversão.

Kropsch afirma que essa opção pode gerar uma economia equivalente a R$ 1 por litro de diesel. Mas, no curto prazo, isso só será possível com a redução do preço do GNV e algum plano de incentivo para renovação de frota ou conversão dos caminhões e ônibus.

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