Philipp Schiemer: “A função de uma empresa não é só maximizar lucros”

Presidente da Mercedes-Benz Brasil e Daimler América Latina fala que líderes precisam trabalhar por organizações ligadas aos anseios da sociedade

Por GIOVANNA RIATO, AB
  • 05/05/2020 - 20:58
  • | Atualizado há 2 anos, 9 meses
  • 6 minutos de leitura

    Há sete anos Philipp Schiemer é presidente da Mercedes-Benz Brasil e da Daimler América Latina. Ainda no fim de 2019, ele concedeu uma entrevista exclusiva a Automotive Business para falar justamente da sutil arte de liderar.

    “Há um tempo a função de uma empresa era maximizar lucros. Hoje o cenário mudou: precisamos olhar o longo prazo, dar contribuição ao mundo e, claro, fazer lucro. Como grande empregadores e influenciadores, temos de fazer a nossa parte”, defende.



    Esta entrevista é parte do especial Liderança do Setor Automotivo, que traz as principais conclusões da pesquisa e os comentários de grandes profissionais do segmento.
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    Schiemer foi um dos convidados a conhecer em primeira-mão e comentar os resultados da segunda edição da pesquisa Liderança do Setor Automotivo, feita por AB em parceria com a Mandalah e com a MHD Consultoria.

    Um tanto tropicalizado, adaptado aos altos e baixos do mercado local, o executivo estava prestes a passar o bastão a Karl Deppen, que assumiria a liderança da empresa na região. A mudança, no entanto, foi adiada pela pandemia de coronavírus que colocou qualquer planejamento estratégico de cabeça para baixo.

    Apesar dos meses que separam a entrevista de sua publicação na íntegra, a discussão ganha ainda mais relevância diante da profunda crise que o setor automotivo e a sociedade enfrentam. Na entrevista a seguir o executivo fala sobre a necessidade de fomentar o espírito colaborativo nas organizações, trata da transparência nas relações corporativas e da conexão entre diversidade e inovação.

    Segundo a pesquisa Liderança do Setor Automotivo, 93% das pessoas em posição de alta gestão nas empresas do segmento são homens e 87% são brancos. A maioria é formada em engenharia. Que leitura você faz deste perfil tão homogêneo?


    Como líder entendo que diversidade é muito importante. Gosto de trabalhar com opiniões diversas, de pessoas que discordam de mim. Só assim avançamos. Precisamos dar a mesma chance para que todos se desenvolvam dentro da empresa.

    Esta oferta de equidade de oportunidades pelas empresas ainda é um desafio.


    Exatamente. E é algo que acho fundamental. Eu gostaria muito que acontecesse de forma orgânica, sem cotas, por exemplo, mas sei que não funciona assim, senão não teríamos o cenário que vocês mostraram na pesquisa. O que precisamos é olhar com atenção e trabalhar cada dia mais para mudar as coisas.

    Os respondentes da pesquisa indicaram que as palavras que melhor definem o momento atual é transformação e mudança. As lideranças também se dizem cautelosas em relação ao momento. Você se identifica com estas impressões da maioria? Como você avalia este momento do setor automotivo?


    Palavras como “transformação”, “incerteza” e “volatilidade” descrevem muito bem o cenário atual. Mas falta incluir aí “oportunidade”. Costumamos ver o lado negativo das mudanças, mas elas também representam novas possibilidades.

    O momento é de transformação. Ainda assim, no futuro continuaremos com a tarefa de levar uma mercadoria ou uma pessoa do ponto A para o ponto B. Isso sempre vai existir e o mercado pode mudar, mas não vai desaparecer. Agora é a nossa chance de trabalhar e mostrar qual é o caminho daqui para frente.

    Vivemos um momento de busca por abertura comercial do País. Ainda assim, as lideranças automotivas avaliam que a indústria automotiva brasileira só será polo de desenvolvimentos locais, sem protagonismo na oferta de soluções globais. Qual é a sua visão sobre o tema?


    Eu sou favorável a qualquer acordo de comercio. O mercado local não é suficiente para sustentar o tamanho da indústria que temos. O Brasil precisa se abrir e ser inserido no contexto global para, de um lado, ter a chance de vender mais lá fora e, do outro, comprar tecnologias novas mais rapidamente e com menor custo.

    Estamos em um ciclo ruim. Temos um mercado fechado e precisamos importar novas tecnologias, o que é muito caro e reflete nos preços dos produtos. É uma situação de perda.

    Um dos recortes da pesquisa mostra que a liderança automotiva enfrenta dificuldade em equilibrar a entrega de resultados no curto prazo e a construção de soluções para o longo prazo. Como manter a harmonia na condução destas duas frentes?


    O resultado mostra bem a situação que vivemos no Brasil nos últimos anos. Desde 2014, infelizmente, temos uma crise atrás da outra e, na crise, o que interessa é a sobrevivência.

    Na Mercedes-Benz, mesmo com todos os desafios, não deixamos de investir na modernização da empresa, na preparação para o futuro com novos produtos e na procura de novos talentos. Sem isso, não estaremos prontos para quando o mercado voltar, com uma fábrica moderna que pode produzir mais com menos, produtos competitivos localmente e com chance de serem exportados. Também temos um papel mais amplo na sociedade.

    Qual é este papel?


    Temos uma responsabilidade que vai além de trazer lucro para os acionistas. Precisamos contribuir para melhorar o ambiente geral do País, para melhorar a segurança nas estradas, a vida dos motoristas.

    Há um tempo a função de uma empresa era maximizar lucros. Hoje o cenário mudou: precisamos olhar o longo prazo, dar contribuição ao mundo e, claro, fazer lucro. Como grandes empregadores e influenciadores, temos de fazer a nossa parte, olhar para o longo prazo e entender os anseios da sociedade, senão ficaremos fora do mercado.

    Entre os entrevistados para a pesquisa, a maioria apontou que empatia é a principal característica de uma liderança. Para você, quais são as qualidades essenciais?


    Acredito muito que, com a mudança que estamos vivendo, o modelo tradicional das empresas não vai mais funcionar. O setor automotivo é muito hierárquico e radical. A maior qualidade de um líder é reconhecer a necessidade de transformação e, nesse sentido, mudar a filosofia e a cultura da empresa. O conhecimento das pessoas precisa ser mais valorizado do que o cargo.

    Eu não posso entender tudo, mas preciso ter acesso às pessoas capazes de resolver problemas. Um bom líder deve ceder e saber valorizar o empreendedorismo de cada funcionário, permitir que as pessoas coloquem suas ideias em prática, oferecer ferramentas.

    O conceito de Candura Radical aponta que a boa liderança é capaz de alcançar o equilíbrio entre desafiar as pessoas da equipe e, ao mesmo tempo, ser empático e importar-se pessoalmente com cada colaborador. Esta é uma preocupação para você? Como manter este equilíbrio?


    É essencial. Líderes precisam ser capazes de respeitar profundamente as pessoas, independentemente do nível hierárquico. Para exigir isso dos funcionários, precisamos demonstrar. Essa é uma coisa difícil da liderança: entender que as pessoas observam o que fazemos, que estamos em evidência. É preciso ser transparente, ser exemplo.

    A minha experiência mostra que os funcionários aceitam quase tudo o que é proposto desde que você seja transparente, que não tente enganar ou esconder algo das pessoas. É preciso falar a verdade sempre, deixar a situação clara, de forma respeitosa.

    Entre uma série de assuntos indicados no estudo, inovação aparece como a prioridade para os entrevistados. Temas como diversidade, engajamento dos colaboradores e fortalecimento cultural, que têm forte intersecção com inovação, têm baixa relevância para a liderança. Na sua análise, o que provoca esta percepção distorcida?


    Tem muito a ver com o time que você forma e de como trabalha. Se tiver confiança no seu time, você tem tempo para outras coisas. Sem isso você vai querer discutir cada detalhe e não vai conseguir pensar de forma mais ampla.

    Acredito fortemente que o fortalecimento cultural, a inovação, a atração de talentos e a diversidade têm uma conexão muito clara. Não existe esta estratégia de criar um departamento de inovação e achar que vai funcionar. Você precisa de um ambiente organizacional que promova a inovação, a geração de ideias. E esta cultura ganha força com a diversidade e a inclusão de pessoas. Com um ambiente assim, também fica mais fácil atrair e reter talentos.

    Você está perto de deixar a liderança da Mercedes-Benz no Brasil para assumir a chefia global de marketing, vendas e serviços ao cliente da Daimler Buses (a transferência aconteceria em maio e, por causa da pandemia, foi adiada por tempo indeterminado). Qual legado você quer deixar na operação brasileira?


    Quero deixar a empresa pronta para o futuro com produtos de ponta, competitivos. Também tenho uma preocupação com o aspecto cultural da empresa, em garantir que a companhia seja ainda mais aberta, inovadora e colaborativa com outras organizações.

    Não estamos mais sozinhos no mundo. Somos ser parte do ecossistema de logística e de transporte e precisamos mostrar a nossa parceria, ter abertura a outras organizações, startups ou clientes que tragam novas propostas. Meu sonho é deixar o legado de uma empresa colaborativa, fácil de trabalhar.

    Nesta edição da pesquisa, 36% dos entrevistados disseram que a companhia em que trabalham tem um propósito definido, claro e capaz de orientar as estratégias. Como a Mercedes-Benz tem trabalhado este aspecto?


    Nós temos um propósito muito claro, definido globalmente: trabalhamos para todos que movem o mundo. A partir disso, desenvolvemos alguns princípios. O primeiro é que começamos sempre ouvindo, por isso o nosso slogan “as estradas falam, a Mercedes-Benz ouve”.

    O segundo ponto é que nós atuamos para solucionar e o terceiro princípio é andarmos junto aos clientes. Este propósito foi desenvolvido na matriz da companhia e temos comunicado e feito um grande trabalho de fortalecimento cultural no Brasil.