Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Paul Krugman

Como criar uma depressão pandêmica

Abrir a economia cedo demais pode ser um tiro pela culatra, e feio

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Na semana passada, o Escritório de Estatísticas do Trabalho confirmou oficialmente o que já sabíamos: com alguns meses da crise da Covid-19, os Estados Unidos já têm um nível de desemprego de Grande Depressão. Mas isso não equivale a dizer que estamos numa depressão. Só saberemos se é verdade quando virmos se o desemprego extremamente alto dura muito tempo, digamos, um ano ou mais.

Infelizmente, o governo Trump e seus aliados estão fazendo o possível para tornar mais provável uma depressão em grande escala.

Antes que eu chegue lá, uma palavra sobre esse relatório de desemprego. Veja que eu não disse "o pior desemprego desde a Grande Depressão"; eu disse "um nível de Grande Depressão", frase muito mais forte.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump - Kevin Lamarque/Reuters

Para entender por que eu disse isso, você precisa ler o relatório, não apenas ver os números do título. Um índice de desemprego de 14,7% é bastante horrível, mas o escritório incluiu uma nota indicando que problemas técnicos provavelmente fizeram esse número subestimar o desemprego real em quase 5 pontos percentuais.

Se isso for verdade, atualmente temos um índice de desemprego de aproximadamente 20%, o que seria pior que em todos menos os dois piores anos da Grande Depressão. A questão agora é com que rapidez conseguiremos nos recuperar.

Se pudéssemos controlar o coronavírus, a recuperação poderia ser realmente muito rápida. É verdade, a recuperação da crise financeira de 2008 levou muito tempo, mas isso teve muito a ver com problemas que se acumularam durante a bolha habitacional, notadamente um nível sem precedentes de dívida familiar. Não parece haver problemas comparáveis hoje.

Mas controlar o vírus não significa "achatar a curva", o que, aliás, já fizemos –conseguimos desacelerar a disseminação da Covid-19 o suficiente para nossos hospitais não estarem superlotados. Significa esmagar a curva: reduzir muito o número de americanos infectados, depois manter um alto nível de testagem para localizar novos casos, juntamente com o rastreamento de contatos para podermos pôr em quarentena os que podem ter sido expostos.

Para chegar a esse ponto, porém, precisaríamos primeiro manter um regime rigoroso de distanciamento social durante o tempo necessário para reduzir as novas infecções a um nível baixo. Então teríamos de agir para proteger todos os americanos com o tipo de teste e o rastreamento já disponíveis para as pessoas que trabalham diretamente para Donald Trump, e quase ninguém mais.

Esmagar a curva não é fácil, mas é muito possível. Na verdade, muitos outros países, da Coreia do Sul à Nova Zelândia e, acredite ou não, a Grécia já o fizeram.

Derrubar o índice de infecção foi muito mais fácil para os países que agiram rapidamente para conter o coronavírus, enquanto a taxa ainda era baixa, em vez de passar várias semanas em negação. Mas até lugares com surtos graves podem reduzir seus números se mantiverem o curso. Veja a cidade de Nova York, o epicentro original da pandemia nos Estados Unidos, onde os números diários de novos casos e mortes são uma pequena fração do que eram algumas semanas atrás.

Mas é preciso manter o curso. E é isso que Trump e companhia não querem fazer.

Durante algum tempo, parecia que o governo Trump estava, finalmente, disposto a levar a sério a Covid-19. Em meados de março, o governo adotou diretrizes de distanciamento social, embora sem impor de fato regulamentos federais.

Mas ultimamente tudo o que ouvimos da Casa Branca é que precisamos reabrir a economia, mesmo sem estarmos perto de onde deveríamos para fazer isso sem nos arriscarmos a uma segunda onda de infecções.

Ao mesmo tempo, o governo e seus aliados parecem estar decididos a não dar a ajuda financeira que nos permitiria manter o distanciamento social sem dificuldades financeiras extremas. Prorrogar os benefícios aos desempregados, que vão expirar em 31 de julho? "Só sobre nossos cadáveres", disse o senador Lindsey Graham. Ajudar os governos estaduais e locais, que já demitiram um milhão de trabalhadores? Isso seria uma "fiança de estado democrata", segundo Mitch McConnell.

E, como diz Andy Slavitt, que dirigiu o Medicare e o Medicaid no governo Barack Obama, Trump é um desistente. Diante da necessidade de realmente fazer seu trabalho e o que é necessário para esmagar a pandemia, ele simplesmente desistiu.

E essa fuga da responsabilidade não apenas matará milhares de pessoas. Também poderá transformar a crise da Covid em uma depressão.

Veja como funciona: nas próximas semanas, muitos estados republicanos abandonam as políticas de distanciamento social, enquanto muitos indivíduos, ouvindo as dicas de Trump e da Fox News, começam a se comportar de modo irresponsável. Isso causa, em curto prazo, um certo aumento do emprego.

Mas em breve fica claro que a Covid-19 está numa espiral descontrolada. As pessoas voltam para suas casas, não se importando com o que dizem Trump e os governadores republicanos.

Então voltamos para onde começamos em termos econômicos, e em pior situação que nunca em termos epidemiológicos. Em consequência, o período de desemprego de dois dígitos, que poderia ter durado só alguns meses, segue em frente.

Em outras palavras, a busca por Trump de uma saída fácil, sua impaciência com o trabalho duro de conter uma pandemia, pode ser exatamente o que transforma uma crise grave, mas temporária, em uma depressão completa.

Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.