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Da cultura ao novo profissional: os desafios da manutenção 4.0 no Brasil

Por: Angieli Maros/CIMM      Exclusiva 05/10/2020 

A automação fabril e, particularmente, suas técnicas de manutenção têm um longo trajeto a percorrer até uma realidade abrangente da Indústria 4.0 no Brasil. Da engenharia informatizada à cultura administrativa, sem ignorar os novos perfis de trabalho, os desafios das estratégias contemporâneas relacionadas ao ciclo de vida dos equipamentos industriais precisam ser discutidos em tom de relevância.  

“Se a gente for pensar como muitas fábricas terão alto nível de automação, a manutenção vai ter um papel fundamental na Indústria 4.0. Ela será um dos setores mais importantes porque vai ter a responsabilidade de manter a fábrica operando 24 horas, sem qualquer incidente com os equipamentos”, salienta Luiz Eduardo Leão, gerente de Tecnologias Educacionais do Senai. 

A tecnologia por trás da manufatura avançada não é apenas uma via otimizadora. É central. No âmbito da manutenção, utiliza recursos como softwares, sensores e a inteligência artificial para prever danos e antecipar soluções, superando, assim, o conserto como essência do trabalho. O conjunto desses recursos habilitadores da Indústria 4.0 é, portanto, fundamental. Embora ainda assuste.  

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tabulados para o jornal Valor Econômico mostram que, entre meados da primeira e da segunda década do século, o coeficiente de importação de alta e média-alta tecnologia do Brasil aumentou de 26,3% para 38,7%, indicando maior dependência internacional no segmento e, consequentemente, um mercado mais custoso. 

Mas segundo o gerente do Senai, a distância entre a alta tecnologia e o dia a dia das empresas brasileiras não é mais um abismo. “Estamos tentando desmistificar esse cenário. Já existem tecnologias baratas e que podem ser trazidas para o chão de fábrica, que podem dar condições ao empresário de perceber o ganho de se investir nessas tecnologias e se consolidar para dar um passo mais ousado”, observa. 


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Leão aposta nos sensores para controles de processo como umas das mais importantes portas de entrada da manutenção 4.0. O uso em larga escala desses dispositivos ajuda a detectar transtornos iminentes e reduz mínimo os riscos de intervenções indesejadas. Assim, é possível estabelecer uma harmonia do fluxo de produção praticamente ininterrupta. Em patamar mais avançado, embora não inconcebível, o gerente destaca ainda a disponibilidade dos acessórios de realidade aumentada, que sobrepõem elementos virtuais ao mundo real.

“Quando se fala em alto investimento, isso desanima o empresário. Mas o empresário vai investir numa tecnologia, desde que aquela tecnologia traga um retorno. Enquanto isso não estiver claro, ele vai continuar com os métodos tradicionais de produção”, analisa. 

Mão de obra especializada

Pouco adianta projetar a inteligência das fábricas – por mais automotiva que seja ela – se o aperfeiçoamento profissional não for discutido em igual velocidade e importância. Assim como a concentração da tecnologia típica da Indústria 4.0, profissionais capazes de dominar os processos inteligentes também não estão entre os segmentos de mão de obra mais abundantes no país.

Em sua plataforma de educação profissional, o Senai oferece regularmente cursos de preparação específica para a manufatura avançada. Há opções introdutórias, para interessados a partir de 14 anos e com a 5ª série do Ensino Fundamental completa, até possibilidades de aperfeiçoamento e de pós-graduação. Isso porque a estratégia do Sistema não é só pensar no jovem profissional, mas, principalmente, no aperfeiçoamento de quem já vive a rotina das fábricas. 

Por causa do imediatismo, opções de capacitação e especialização começam a se disseminar por outras instituições do país. E até mesmo como oferta das próprias empresas. No Brasil, a multinacional alemã Busch, referência em tecnologia de vácuo, sopradores e compressores, incorporou aos seus serviços de suporte ao cliente consultorias e treinamentos gratuitos que facilitam, tanto para os empresários quanto para os trabalhadores responsáveis pela manutenção, o  acompanhamento do ciclo de vida dos equipamentos. 

Na avaliação de Ewerton Garberi, responsável pela área de manutenção a campo (Field Service) da multinacional, a especialização da mão de obra é um caminho sem volta dentro desse novo paradigma fabril, mas ainda tímido.

“Hoje nós temos profissionais capacitados para fazer esse trabalho. Mas pelo que vejo, andando pelos clientes, ainda há um déficit. Precisa-se capacitar mais pessoas para chegar a esse ponto estratégico e de controle, para evitar a quebra e, inclusive, extrair o máximo de performance do equipamento”, pondera Garberi. 

Para Leão, o profissional da Indústria 4.0 terá que superar o perfil unidimensional que, durante muito tempo, foi constante no chão de fábrica brasileiro. 

“Uma das capacidades para esse profissional da manutenção é a análise crítica, porque ele vai lidar com vários dados. Ele terá que ter capacidade de monitorar, por exemplo, os dados que recebeu da máquina, terá que fazer links de informações e fazer a intervenção no momento certo. Esse é o grande ganho da Indústria 4,0. Se o profissional está lá monitorando todos os dados de todas as máquinas, ele consegue identificar comportamentos fora do padrão, antever problemas e evitar falha na produção”, explica. 

Cultura  

A conexão de novos sistemas e tecnologias não é a única característica da Indústria 4.0. Alcançar o estágio mais avançado da indústria inteligente, e de seus novos modelos de gestão, requer também uma revolução da cultura organizacional por trás de cada empreendimento. 

Contudo, a mudança que abre caminho para esta nova etapa ainda enfrenta resistências, seja no âmbito público, com políticas de incentivo ainda pouco eficazes, ou no privado, dentro das próprias empresas. Por isso, na percepção de Garberi, a adaptação cultural às novas referências da produção industrial segue sendo um dos maiores desafios da manufatura avançada no Brasil, sobretudo no segmento da manutenção.

“A nossa cultura vai passar inevitavelmente por uma mudança na questão de manutenção. E o desafio maior, realmente, é passar por isso, até deixarmos de ser uma indústria que só consertava quando quebrava e chegarmos a um ponto em que a gente tem um monitoramento online em tempo real. A manutenção do futuro não quer apagar, ela quer trabalhar confortavelmente sem ter problemas”. 

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