Acuada por críticas, Anfavea renova defesa de adiamento do Proconve P8 e L7

Entidade tem dificuldade para convencer governo e organizações ambientais sobre necessidade de postergar próximas fases de restrição de emissões

Por PEDRO KUTNEY, AB
  • 15/12/2020 - 20:30
  • | Atualizado há 2 anos, 9 meses
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    Cada vez mais acuada por críticas de organizações ambientais e sem conseguir convencer o governo a prorrogar as próximas fases da legislação brasileira de emissões, a associação dos fabricantes de veículos, a Anfavea, voltou a organizar uma entrevista coletiva na terça-feira, 15, para tentar se defender de acusações e explicar seus argumentos em favor do adiamento do Proconve P8 e L7 – etapas do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores pesados (P) e leves (L) que no fim de 2018 foram regulamentadas e agendadas para entrar em vigor a partir de 2022.

    A Anfavea mudou sutilmente duas partes de seu discurso externado há quatro meses (leia aqui), quando pela primeira vez a entidade admitiu publicamente que negociava a prorrogação da legislação com o Conama – órgão do Ministério do Meio Ambiente responsável pela gestão do Proconve. Desta vez, os representantes da associação negaram que tivessem sugerido o período do adiamento “em dois a três anos”, também refutaram que a principal razão do pedido fosse para postergar investimentos calculados em R$ 12 bilhões para introduzir tecnologias capazes de atender aos novos limites de emissões, cifra que as montadoras não teriam mais para investir após o aperto de caixa causado pela pandemia de coronavírus.

    Marco Saltini, um dos vice-presidentes da Anfavea, exibiu cópia de dois ofícios enviados em maio e agosto ao ministro do Meio Ambiente, em que a entidade solicitava o estudo de adiamento das novas fases P8 e L7 do Proconve, sem no entanto citar qualquer prazo. Luiz Carlos Moraes, presidente da associação dos fabricantes, acrescentou que “na época [da primeira coletiva sobre o tema em 5 de agosto assado] estávamos bem no meio da pandemia e não tínhamos como saber quanto prazo iríamos precisar, foi feita uma sinalização, mas não foi fixada uma data, essa questão ainda está em discussão”, justificou.

    JUSTIFICATIVAS



    Já Henry Joseph Jr., diretor técnico da Anfavea, apontou que o maior problema em cumprir os prazos do P8 e L7 não é financeiro, mas a falta de tempo hábil. “É preciso entender que tudo parou com a pandemia. Tínhamos começado a desenvolver os sistemas necessários, o que exige testes de milhões de quilômetros rodados, mas fomos obrigados a parar, alguns ensaios de bancada foram abandonados bem no meio e vamos ter de refazer, laboratórios foram fechados, os engenheiros não podem mais rodar com os veículos, o próprio governo não publicou normas necessárias que deveriam ser conhecidas ainda no fim de 2019. Essas condições atrasaram todo o desenvolvimento, não é mais possível cumprir o prazo estipulado antes”, explicou.

    Os representantes da Anfavea também rebateram o argumento simplista, classificado de “falácia”, de que as tecnologias necessárias para atender aos novos limites de emissões de poluentes – equivalentes ao Euro 6C em vigor na Europa para veículos pesados e EPA Tier 3 usado nos Estados Unidos para automóveis e comerciais leves – já estão disponíveis em outros países e poderiam ser adotadas já no Brasil. “Isso não é verdade. Temos condições de topografia, clima e combustíveis com mistura e etanol e biodiesel que são completamente diferentes dos países que já adotaram essas tecnologias. Um caminhão roda com 40 toneladas na Europa e aqui com mais de 70 toneladas. É necessário desenvolver tudo no País. Não é possível dar garantias de 600 mil quilômetros para um sistema de emissões (como prevê a legislação para caminhões e ônibus) sem antes testar isso na prática, nas condições que temos aqui”, sustentou Saltini.

    Ele informou ainda que as montadoras vendem atualmente 1,3 mil modelos de veículos leves e 500 de caminhões e ônibus que terão de adotar as novas tecnologias de controle de emissões para atender às novas fases do Proconve, o que demanda tempo. Se o pleito de adiamento da Anfavea não for atendido, a entidade calcula que muitos desses veículos não poderão mais ser homologados para rodar no Brasil, porque boa parte dos fabricantes e seus fornecedores não conseguirá desenvolver os componentes e produtos dentro dos limites da legislação até 2022 e 2023.

    “Recebemos questionamentos e críticas que consideramos injustas, baseadas em informações incorretas. A Anfavea expôs aos órgãos reguladores que a pandemia afetou profundamente as atividades de pesquisa e desenvolvimento do setor, que só podemos retomar quando houver condições. Nosso objetivo é evitar um impasse em 2022 ou 2023 e cumprir a lei, como vem sendo feito à risca desde que o Proconve foi criado”, afirmou Luiz Carlos Moraes.



    ARGUMENTOS RECUSADOS



    Até o momento a Anfavea vem encontrando dificuldades para convencer órgãos do governo sobre a necessidade de prorrogar os prazos da legislação de emissões. “Queremos atender o Proconve com eficiência como fizemos até agora – e todos os índices de redução de poluição nas cidades comprovam isso. Mas até agora não conseguimos argumentar ou discutir com seriedade essa questão. Não somos ouvidos”, reclama Joseph Jr.

    O Ministério Público Federal (MPF) também não aceitou os argumentos e justificativas para adiar as próximas fases do Proconve. O procurador regional da República José Leonidas Bellem de Lima, coordenador do Grupo de Trabalho de Qualidade do Ar da 4 ª CCR (Câmara de Coordenação e Revisão), manteve posicionamento do órgão contrário à proposta da entidade. “Não há dúvida que o atraso defendido pela Anfavea significará graves malefícios à qualidade do ar e à saúde da população”, escreveu o procurador em ofício datado de 22 de novembro passado.

    A Anfavea também argumenta que a adoção da inspeção técnica veicular no País, atrelada a um programa oficial de renovação de frota, teria impacto muito mais eficiente para reduzir emissões de poluentes do que a implantação de limites que só valem para veículos novos e que, portanto, só terão efeito a longo prazo. “A inspeção para tirar veículos velhos e poluentes das ruas é um mecanismo ideal para melhorar a qualidade do ar de maneira muito mais ampla do que as novas fases do Proconve”, defende Saltini.

    Este é um projeto que se arrasta há mais de duas décadas, já foi discutido por diversas gestões de fabricantes e do governo, mas nunca foi adiante porque esbarra no modelo de financiamento de um programa de renovação de frota: ninguém, nem governo nem montadoras, quer garantir os empréstimos para a compra de veículos novos no lugar dos velhos.