Rafael Muñoz

Economista líder para o Brasil do Banco Mundial, já trabalhou para a instituição na Ásia e na África.

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Acordo UE-Mercosul: aumentando o volume e a qualidade do comércio

Estudo mostra que países em desenvolvimento podem se beneficiar muito do comércio com países mais desenvolvidos

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Um relatório lançado recentemente pelo escritório do economista-chefe do Banco Mundial para a ALC (América Latina e Caribe) traz evidências muito úteis sobre o comércio na região da ALC e as oportunidades e desafios que o acordo UE-Mercosul representa para o Brasil.

O estudo mostra que países em desenvolvimento podem se beneficiar muito do comércio com países mais desenvolvidos não apenas pelo aumento no volume de negócios, mas também pela possibilidade de aumento na produtividade ocasionada pela transferência de conhecimento. No caso do Brasil, no entanto, é preciso estar atento também para os impactos ambientais que o acordo pode trazer. 

O volume comercial dos países da região ALC não é muito elevado, por dois motivos principais. Primeiro, porque os países fazem comércio principalmente entre si, recorrendo a inúmeros acordos bilaterais.

Quando os países da ALC fazem negócios com países com estruturas econômicas semelhantes, o volume real de comércio gerado é baixo (e, em alguns casos, pode até distorcer o comércio –quando produtores mais eficientes são substituídos por outros menos eficientes, mas que desfrutam de acesso mais barato ao mercado).

Segundo, porque esses acordos comerciais bilaterais são muito superficiais. O resultado é uma abertura comercial limitada. O Brasil, inclusive, apresenta o segundo maior índice geral de restritividade comercial em termos de barreiras tarifárias e não tarifárias (7,44%), atrás apenas da Venezuela (8,99%) e bem à frente de outros países, como a Argentina (2,02%). 

Fica claro, portanto, que a região —e o Brasil— precisam começar a negociar com países mais ricos, a fim de abrir mercados maiores e promover o aumento da produtividade através da potencial transferência de conhecimento. Os impactos positivos podem ser enormes.

Primeiro, o comércio criará mais oportunidades —pois esses países têm economias maiores— e ampliará a complexidade econômica dos parceiros comerciais, aumentando as oportunidades de aprendizagem proporcionadas pelo conhecimento. Segundo, o comércio pode gerar crescimento econômico e criar novos empregos.

O relatório lança mão das evidências disponíveis e mostra que o aumento da abertura comercial em 10% do PIB está associado a um adicional de 0,06% na taxa de crescimento anual do PIB. O comércio pode até ajudar a reduzir a volatilidade do PIB, pois hoje a maioria dos países da ALC concentra as suas exportações na área de commodities e, portanto, sofre conjuntamente com os mesmos termos comerciais. 

Novos acordos comerciais com países mais ricos, portanto, podem elevar a sofisticação econômica dos países da região, enriquecendo a estrutura econômica e (potencialmente) mitigando a volatilidade econômica. 

De fato, o potencial de ganho comercial difere bastante ao se considerar dois cenários distintos: quando o comércio envolve países desenvolvidos e quando se restringe apenas aos países em desenvolvimento.

Um país em desenvolvimento típico aumenta seu volume comercial em 12% do PIB ao assinar um acordo comercial com um país desenvolvido, comparado a apenas 7% do PIB ao firmar um acordo comercial com outro país em desenvolvimento.

Além disso, o índice de complexidade econômica do país (que reflete uma economia mais sofisticada) aumenta 24% no primeiro caso, comparado à redução de 5% no segundo. Doze anos após firmar o acordo comercial, o país terá se tornado 10% mais rico no primeiro caso, em comparação a apenas 2% no segundo caso. 

De modo geral, o acordo UE-Mercosul é justamente isso —um acordo comercial mais profundo que, espera-se, irá acelerar a trajetória de investimentos para além da linha de base e tornar as economias mais complexas.

O acordo terá impactos distributivos, mas, de modo geral, não se espera que mude fundamentalmente a estrutura econômica dos países signatários, apesar de esperarmos algumas realocações internas entre os diversos subssetores. Alguns subssetores sairão ganhando e outros, perdendo, mas espera-se que o acordo comercial aumente, principalmente, a produtividade de algumas atividades agrícolas específicas — e não que cause uma desindustrialização.

Além disso, haverá um longo período de transição para acomodar essas mudanças. Mas, de modo geral, alguns impactos regionais precisarão ser mitigados nas regiões que sofrerem efeitos negativos.

Distribuição espacial desigual dos ganhos

O acordo comercial UE-Mercosul também terá um impacto distributivo entre os fatores de produção. No Brasil, os trabalhadores não-qualificados teriam o maior aumento salarial (1,1%), acima dos trabalhadores qualificados (1%) e trabalhadores rurais (0,8%) e também acima das rendas de capital (0,5%) e do arrendamento de terras (0,4%).

Finalmente, é preciso estar atento aos impactos ambientais que o acordo UE-Mercosul causará no Brasil. As emissões de CO2 devem aumentar cerca de 8%, principalmente graças à aceleração do crescimento do PIB.

Outra preocupação é o impacto que o acordo comercial pode ter sobre o desmatamento no Brasil, já que um dos setores mais beneficiados será a pecuária. Espera-se que o acordo aumente em 22,3% a produção pecuária até 2030, com um acréscimo de aproximadamente 48 milhões de cabeças de gado.

Com a produtividade inalterada, essa situação provavelmente aumentará ainda mais a pressão pela abertura de novas pastagens (principalmente na região do Cerrado), com o potencial de afetar cerca de 3% da área florestal do Brasil.

Torna-se necessário, portanto, trabalhar com vigor para aumentar a produtividade do setor e explorar as oportunidades apresentadas pelo acordo UE-Mercosul, garantindo, ao mesmo tempo, a sustentabilidade dos recursos ambientais brasileiros. 

Distribuição espacial de cabeças de gado no Brasil

Tradução

Mapa 1: Distribuição atual, cabeças de gado a cada 100 km²

Mapa 2: Distribuição de cabeças de gado adicionais a cada 100 km² 

Esta coluna foi escrita em colaboração com Martin Rama, economista chefe do Banco Mundial para América Latina e o Caribe.

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