Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Baixa do petróleo vai tirar ainda mais dinheiro do governo

Gasto terá de ser suspenso, no mínimo, o que torna a economia ainda mais lerda

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Afora milagres, o pandemônio mundial vai fazer com que o governo arrecade menos. Com menos receita e a perspectiva incerta do que vai ser o mundo daqui a algumas horas, que dirá meses, haverá contenção de despesas por precaução, “contingenciamento”.

É razoável especular que o governo federal perca uns R$ 20 bilhões da receita esperada para este ano, o equivalente a dois terços do gasto anual em Bolsa Família, baixa devida ao crescimento menor do PIB e da receita com petróleo.

Seria um impacto extra da crise que começou com o novo coronavírus. Haverá outros.

A tormenta pode levar empresas importadoras de insumos a baixarem a produção (por falta ou encarecimento deles) e provocar retranca no crédito bancário. Pode assustar famílias que nos últimos anos fizeram aplicações financeiras mais arriscadas e muito mais, pois a alta rápida do dólar abala ânimos em geral.

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No ano passado, a média do preço do barril foi de US$ 64 (o tipo Brent); ainda em fevereiro, de US$ 55 e chegou a US$ 36 na segunda (9) - Ricardo Borges/Folhapress

Um aperto duradouro no gasto público, ainda que provisório, tende a tirar mais um tico do crescimento previsto, já baixo e caindo. A gritaria nos ministérios e nas ruas pode reprisar a de 2019 (lembre-se do protesto contra a suspensão de gastos em educação, por exemplo). Haverá mais sugestões de suspender o teto constitucional de gastos federais.

Nas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), a redução de 0,1 ponto percentual no crescimento tira entre R$ 1,5 bilhão a R$ 2 bilhões da receita bruta do governo federal. A IFI é um órgão de acompanhamento e avaliação das contas públicas ligado ao Senado.

Considere-se que a previsão de crescimento do PIB caia dos 2,4% (estimativa inicial do governo para o ano) para 1,6% (número para o qual convergem grandes bancos e consultorias); calcule-se tal impacto sobre a receita líquida federal. Dá uns R$ 11 bilhões.

Mas a coisa pode ser pior. Com o tombo do preço do barril de petróleo, deve cair a receita com as participações em “exploração de recursos naturais” (concessão de exploração de petróleo, por exemplo, o grosso).

Nas contas de um grande banco, apenas por causa do petróleo a redução da receita federal pode ser de R$ 10 bilhões caso o petróleo continue cotado a US$ 36 o barril e o dólar fique perto de R$ 4,80 (para o governo federal, as perdas seriam de R$ 4 bilhões. O resto do prejuízo recairia sobre estados e municípios).

Este jornalista, porém, ouviu estimativas maiores de perdas com a receita do petróleo: de R$ 20 bilhões (cálculo de outro bancão) ou mesmo R$ 30 bilhões, acredita um analista das contas públicas.

No ano passado, a média do preço do barril foi de US$ 64 (o tipo Brent); ainda em fevereiro, de US$ 55. Houve um colapso desastroso. Em 2019, a receita bruta com “exploração de recursos naturais” foi de R$ 64,7 bilhões, dos quais R$ 38,8 bilhões foram transferidos para governos regionais.

Trata-se aqui de tentativas preliminares de fazer projeções e apenas sobre as contas públicas. Há outros impactos a considerar.

O pânico no mercado mundial tende a diminuir a inclinação de investir no Brasil, em particular em novos negócios ou concessões, especificamente de petróleo, embora se trate de um investimento em que se leva em conta o prazo de uma década.

Começam a pipocar exemplos de empresas brasileiras com dificuldades de refazer estoques de matérias primas e peças importadas. De início, a desvalorização rápida do real desestimula a compra de máquinas e equipamentos importados.

Uma queda muito grande da confiança do consumidor, mesmo na ausência de limitações práticas impostas pela possível disseminação da Covid-19 no Brasil, pode prejudicar o ânimo das empresas de demandar crédito —ou dificultar a concessão de empréstimos. Segundo bancos, isso ainda não está no radar. Mas pode entrar, caso esta crise aguda dure mais um mês ou dois.

O Ibovespa, que mede a variação das principais ações brasileiras, perdeu toda a valorização que teve desde o início do governo de Jair Bolsonaro. Altas de taxas de juros de longo prazo e a evaporação de parte da Bolsa tendem a baixar a confiança de famílias mais remediadas.

Enfim, trata-se de chutes informados preliminares, ressalte-se. Quase todo mundo da finança foi pego de calças curtas e sem galochas na tempestade que se seguiu à queda histórica dos preços do petróleo. As recentes revisões para baixo do crescimento da economia, que não têm semanas, terão de ser requentadas —ou, melhor, resfriadas sob balde de gelo. Mas, apesar da pancada, sabe-se ainda muito pouco do futuro desta crise.

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