Covid, baixa da produção e alta nos custos põem em risco recuperação das vendas

Retomada ainda é desordenada, futuro fica mais nebuloso

Por PEDRO KUTNEY, AB
  • 07/12/2020 - 20:00
  • | Atualizado há 2 anos, 9 meses
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    Após o melhor mês de vendas do mercado brasileiro de veículos este ano – com 225 mil emplacamentos de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, em crescimento de 4,6% sobre outubro, mas ainda em queda de 7,1% ante novembro de 2019 –, a comemoração dos fabricantes de veículos pela forte retomada, até agora maior e mais rápida do que era esperado, foi encoberta pela sombra de fatores que ameaçam a retomada do setor. Estão no topo da lista de preocupações a nova aceleração de contágios pela Covid-19 (no Brasil e no mundo), limitações continuadas à produção por falta de insumos e componentes e aumento generalizado de custos, que inevitavelmente elevam os preços e reduzem a demanda.

    Está praticamente certo que os números de vendas deste ano vão superar as projeções da Anfavea, associação que reúne os fabricantes de veículos no Brasil. De janeiro a novembro foram vendidos 1,81 milhão de veículos, ainda em forte queda de 28% sobre 2019, no pior volume acumulado desde 2006, mas apontando para resultado acima do que a entidade previa para 2020: total de 1,92 milhão e retração de 31%. Durante a divulgação de resultados do setor na segunda-feira, 7, a Anfavea voltou a apresentar dúvidas sobre a sustentabilidade do crescimento observado até agora – que poderia ser até maior se não fosse pela falta de alguns produtos provocada pela escassez de insumos e componentes nas linhas de produção.

    “Ainda não sabemos se estamos atendendo vendas represadas dos meses em que as pessoas não puderam comprar ou se essa demanda veio para ficar. Também existem pelo menos três fatores que colocam a recuperação em risco: aumento de custos e preços, paradas na produção por falta de insumos e por causa da própria Covid que volta a crescer”, ponderou Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.



    Para o dirigente, esses fatores voltaram a turvar a visibilidade e dificultam prever como poderá ser 2021. Segundo ele, a Anfavea vai apresentar em janeiro suas projeções para o próximo ano, mas com muitas condicionantes: “Temos de levar em consideração todas essas barreiras ao crescimento e as incertezas econômicas que surgem com a retirada dos estímulos introduzidos este ano pelo governo. Mas também surgiu no horizonte a expectativa real de uma vacina. Ainda não sabemos exatamente quando a população poderá ser imunizada, mas já existe a perspectiva de voltar à normalidade e poder voltar a consumir sem as limitações causadas pela pandemia”, destaca Moraes.

    DEMANDA INSTÁVEL



    O acompanhamento feito pela Anfavea dos emplacamentos por região comprova as incertezas quanto à sustentabilidade da recuperação das vendas no País. Os estados do Sudeste, que juntos em 2019 concentraram mais da metade (55%) do volume de vendas de veículos (25% só em São Paulo), este ano reportam quedas nas compras de 34%, quatro pontos acima da média nacional de retração de 28% até agora. Já as outras regiões apresentam recuos menores, de 25% no Sul, 24% no Nordeste, 17% no Centro-Oeste e 13% no Norte, mas a participação de mercado é inversamente proporcional: quanto menor foi o tombo nos negócios, menor também foi a representatividade nas vendas totais.

    “Vemos que nos estados onde a participação dos serviços na economia é maior, especialmente no Sudeste, a pandemia ainda impõe maior dificuldade na retomada do negócios, por isso a queda na demanda é maior. Já em regiões que dependem mais do agronegócio, como no Centro-Oeste, vemos recuperação mais forte das vendas”, avalia Moraes.

    A persistência da pandemia no Brasil – e a volta da aceleração de casos nos últimos dois meses – também impõe resultados piores. Numa comparação de vendas de veículos leves entre 12 países, o mercado brasileiro apresenta queda em todos os meses desde março na comparação com os mesmos meses de 2019 e a retração acumulada de 2020 (-29%) é a terceira maior, em empate com o porcentual do México. Países da Ásia que lidaram melhor para conter o espalhamento da Covid-19 apresentam recuperação mais rápida, como a Coreia que registrou crescimento de 6% nos 11 meses deste ano em comparação com o ano passado, ou China onde o recuo anual é de 5%, e de 12% no Japão.

    “A segunda onda da doença, ou a retomada de aceleração da primeira, com certeza é uma preocupação no horizonte, porque reduz o mercado e diminui nossa produção e a dos fornecedores, devido aos protocolos de higiene e distanciamento social que temos de adotar nas fábricas para proteger os empregados. Isso pode afetar o desempenho do setor e aumentar o desemprego. Tínhamos a expectativa de maior controle da pandemia e essa situação nos surpreende. Provavelmente não será possível imunizar a população ainda em 2021 e o risco à saúde ainda é grande, não se pode subestimar isso”, sublinha o presidente da Anfavea.

    PRESSÃO DE CUSTOS



    Moraes pondera ainda que é inevitável o repasse da alta dos custos de produção aos preços dos veículos, o que tende a pressionar o mercado para baixo nos próximos meses. Ele aponta a desvalorização do real diante do dólar, que este ano já acumula perda de 33% e tornou tão mais caros quanto isso os componentes importados, que em média compõem 30% da construção de um veículo no País. Adicionalmente, matérias-primas como aço estão sofrendo reajustes de 30% a 50%.

    “Com um aumento de 30% [que as siderúrgicas anunciam], resolvem um problema [de equalizar seus custos] mas criam outro, que é a redução de demanda. Isso terá um efeito bumerangue, o reajuste volta na forma de queda nas vendas”, alerta Luiz Carlos Moraes.



    O presidente da Anfavea também apontou que a volta este mês da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nos financiamentos de veículos é outro fator negativo a ameaçar a recuperação de mercado. “Fomos surpreendidos com isso. A isenção deveria durar até o fim do ano mas já voltou em dezembro. É mais custo e quem financia um carro vai pagar mais caro por isso. O IOF deveria ser um imposto regulatório, mas no momento está sendo usado para arrecadar e compensar a alta nos custos de energia”, lamentou Moraes.



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