Não é por decreto que vamos baixar o preço do gás, diz ministro

Bento Albuquerque disse ainda desconhecer incentivos fiscais para que estados adotem as ações do governo

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Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo

Um dia após anunciar resolução que busca abrir o mercado de gás no país, o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) afirmou que não vai ser por meio de decreto que o preço do combustível vai cair. Ele disse ainda desconhecer incentivos fiscais ou financeiros para que estados adotem as ações recomendadas pelo governo.

O ministro participou nesta terça-feira (25) de audiência pública na Comissão de Serviços de infraestrutura do Senado para apresentar aos parlamentares as ações com as quais o governo pretende acirrar a competitividade do setor de gás e baixar o preço do combustível.

Na segunda-feira, o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou que o preço poderia cair em torno de 40% em até três anos caso as diretrizes do governo fossem adotadas. Aos senadores, Bento Albuquerque afirmou que não vai ser "por decreto" que isso vai acontecer. 
 

Trecho de gasoduto em Itatiba (SP) - Luiz Carlos Murauskas - 3.mai.01/Folhapress

"E nós temos exemplos clássicos e até recentes de que quando se tentou fazer isso, o custo foi muito maior depois. A conta foi muito cara”, afirmou. 

O ministro criticou ainda as altas do gás nos últimos anos. “Não é possível que nosso preço do gás tenha subido quatro vezes em dez anos, com as condições que nós temos, novos descobrimentos e exploração. Não tem explicação”, disse.

A proposta lançada pelo governo tem como pilares básicos a redução da concentração na oferta, a desverticalização da cadeia e liberação da capacidade em gasodutos de transporte para terceiros e mudanças na regulação da distribuição de gás canalizado para permitir maior competição pelos clientes.

Segundo o ministro, o governo já conversou com 11 estados sobre a proposta. Bento Albuquerque, no entanto, disse desconhecer qualquer iniciativa no sentido de oferecer incentivos fiscais ou financeiros aos estados que decidirem privatizar a distribuição do gás.

“Desconheço incentivo e transferência de recursos de plataforma para estados que aderirem. É uma questão fiscal e deve estrar sendo tratado pelo ministério da economia, que tem as atribuições e competências para isso. Mas não pelo Ministério de Minas e Energia, nem foi fruto de resolução do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética)”.

Com o programa anunciado na segunda (24), o governo quer quebrar o monopólio da Petrobras na oferta do combustível ao garantir acesso de outras empresas a gasodutos e terminais de importação de gás natural. Nesta quarta-feira, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) deve avaliar acordo para que a Petrobras venda participações no setor.

Após lembrar que a quebra do monopólio da Petrobras já ocorreu há mais de 20 anos, o ministro disse que o governo procura aumentar a competitividade e a oferta do gás, “porque isso naturalmente vai levar a investimentos e vai levar à redução da molécula do gás”.

Na audiência, o ministro afirmou que caberá ao Congresso aperfeiçoar o arcabouço legal para que as ações que abrem o mercado de gás sejam implementadas.

“Nossos instrumentos já existem, aperfeiçoamento da legislação sempre é possível, e é isso que eu considero que é uma importância, daí eu considerar ser vital a participação do Congresso Nacional no aperfeiçoamento dessa legislação, porque como nós dissemos, esse trabalho que foi feito”, disse.

O governo estima que o fim do monopólio do mercado de gás natural possa gerar investimentos de até R$ 32,8 bilhões em ampliação da infraestrutura de transporte e escoamento do combustível. Além disso, vê incremento de R$ 2 bilhões na arrecadação de royalties e R$ 5,3 bilhões no ICMS por ano em quatro estados beneficiados.

Atualmente, embora tenha posse de 75% do gás produzido no Brasil, a Petrobras é praticamente a única vendedora, já que suas sócias o pré-sal não têm acesso a infraestrutura para escoar suas parcelas - um dos focos do programa é garantir acesso de terceiros aos gasodutos de escoamento e unidades de processamento. Simulações do governo estimam que se o preço da energia cair 40%, o PIB industrial aumentaria 8,46%.
 

Especialistas elogiam medidas, mas não veem queda de preços ​

A proposta de quebra do monopólio da Petrobras no gás é elogiada no mercado, mas vista como um primeiro passo em busca de maior competitividade no setor. Especialistas alertam que os resultados não devem ser tão rápidos quanto espera o governo e veem risco de judicialização por parte das distribuidoras de gás canalizado.

As diretrizes do programa foram divulgadas na segunda (24) pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) e miram maior abertura na oferta, transporte e distribuição de gás natural.

O governo promete redução de até 40% no preço do gás, o que seria suficiente para atrair até R$ 240 bilhões em investimentos em setores usuários do produto, como petroquímica, fertilizantes, siderurgia e vidros, por exemplo.

"A expectativa de redução [do preço] depende de muita coisa e não está detalhada. Além disso, reformas estruturais, que nesse caso envolvem inclusive um negociação política tremenda, são de médio e longo prazo", diz Helder Queiroz, ex-diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo). "É boa a intenção, caminha na direção de uma mudança estrutural, mas o que foi anunciado ainda é insuficiente para avaliar."

A resolução, à qual a Folha teve acesso, traz diretrizes e recomendações a outros órgãos do governo. Fala em mudanças tributárias e na estrutura do mercado de distribuição, com a definição de regras mais uniformes entre os estados e a separação entre as atividades de venda e prestação de serviços de distribuição de gás natural -- como já ocorre com as distribuidoras de energia elétrica.

O advogado Luis Antonio de Souza, fundador do escritório Souza, Mello e Torres, indica a disposição do governo em aumentar a competição no setor, mas “para quebrar o monopólio do mercado, será preciso um plano de longo prazo”. Um dos pontos mais relevantes da medida, segundo ele, é a criação de incentivos econômicos para estados que adotem regulações mais amigáveis a consumidores livres e que decidam privatizar suas distribuidoras.

O mecanismo é uma forma de evitar uma ingerência direta nas regulações estaduais sobre o tema, segundo Rafael Baleroni, sócio do escritório Cescon Barrieu. Os estados têm o monopólio dos serviços de gás canalizado garantido na Constituição.

"A distribuição de gás é um monopólio natural. Não faz sentido ter duas distribuidoras numa mesma área", disse nesta terça o presidente da Abegás (Associação Brasileira das Empresas de Gás Canalizado), Augusto Salomon. Ele alega que a separação de atividades reduz o caixa das empresas e, consequentemente, sua capacidade financeira para ampliar as redes para o interior.

"Se isso passar, teremos novos consumidores apenas no litoral [onde está grande parte da malha brasileira de gasodutos de transporte]", argumenta. Segundo ele, a mudança pode levar à judicialização do mercado para que empresas tentem reverter a perda de receita em suas concessões.

O advogado Ali Hage Filho, sócio do Veirano, concorda que as mudanças devem trazer perda de receita às distribuidoras. “Mas se a ideia é estimular a privatização das distribuidoras, é preciso encontrar meio termo. Se as estatais perderem muito espaço, valerão muito menos para o investidor. Não é uma equação simples”, diz.

"Eu não vejo como factível isso [reduzir o preço em 40% no curto prazo]. Tem muitas etapas a vencer do ponto de vista regulatório, do ponto de vista tributário, para ampliar a malha de gasodutos... O que é positivo no pacote é a iniciativa de abrir o mercado", conclui Marcio Balthazar, da consultoria NatGas Economics.

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