Descrição de chapéu Coronavírus

Possível corte no salário e quarentena exigem faxina no orçamento familiar

Confinamento pode elevar conta de luz e água; é hora de repensar hábitos de consumo, dizem analistas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Os consumidores que tiverem redução da renda mensal como reflexo das medidas que o governo Jair Bolsonaro deverá autorizar nos próximos dias precisarão fazer nova faxina no orçamento familiar e reforçar os cuidados com as despesas.

Com mais tempo em casa, há ainda o risco de aumentar gastos domésticos como água, luz, gás e telefone. A quarentena também tem o potencial de atingir quem tem o salário complementado por comissões ou atividade extra.

Especialistas dizem que, mesmo nos casos em que os cortes ocorram no salário de apenas um dos membros da família, o momento é propício para cortar excessos e repensar hábitos de consumo.

"Para alguns, é hora de uma operação de guerra. Muitas pessoas podem até não ter dívidas, mas também não têm reservas, e, em um momento no qual a renda mensal pode ser cortada pela metade, muitos hábitos também terão de ser repensados", diz Reinaldo Domingos, presidente da Abefin (Associação Brasileira de Educadores Financeiros).

Os últimos anos já vinham exigindo limpeza dos gastos. Ainda assim, é importante pensar em outras economias, pois, segundo Domingos, há sempre um extra. "Seja mudando assinaturas, fazendo trocas de produtos ou abrindo mão de certo padrão de vida."

Na rua 25 de março, importante via do comércio popular em São Paulo, as lojas já estavam fechadas na sexta (20) - Eduardo Knapp/Folhapress

Para entender a situação das contas, o diretor de crédito do Bom Pra Crédito, Felipe Lemos, recomenda listar todas as despesas e receitas em uma planilha ou caderno. Feito isso, quem estiver bem financeiramente pode considerar quitar dívidas caras, mas Lemos diz que é melhor esperar um pouco antes de tentar uma negociação.

"É importante rever gastos com cartão de crédito e cheque especial, mas é preciso estudar as opções para que, lá na frente, não haja um novo problema em mãos."

A facilitação no corte de jornada ou salário, anunciada na semana passada, ainda não está valendo. A equipe econômica deve editar uma medida provisória ou projeto lei permitindo a redução em até 50% como auxílio às empresas no enfrentamento da crise.

A redução na renda mensal, no entanto, não se limitará apenas àqueles que estão empregados com carteira assinada. Afetará também os trabalhadores autônomos que, em meio à quarentena, têm seus clientes reduzidos e, em alguns casos, a atividade totalmente paralisada.

Para Angela Nunes, do conselho de administração da Planejar, para além do corte de gastos, uma das saídas para os consumidores e profissionais autônomos é a criatividade.

"As pessoas podem precisar pensar quais são suas qualidades e atributos para tentar se desenvolver profissionalmente nesse período. Se eu sei fazer algo muito bem, posso pensar em aulas a distância, por exemplo, para gerar algum tipo de renda", afirma.

Os especialistas destacam também a necessidade de as famílias não descuidarem dos gastos básicos, que podem sair do controle com todos em casa. Contas de água, luz, gás e telefone precisam de atenção redobrada.

"Prestar atenção em luzes acesas em cômodos que não estão sendo usados ou em várias pessoas vendo o mesmo canal de televisão em quartos diferentes podem ser importante para limitar o aumento dos gastos nesse período", afirma Angela.

Com o fechamento de escolas, academias, clubes, cursos de idiomas e outros tipos de prestação de serviços dos quais se espera continuidade, o consumidor pode avaliar a possibilidade de negociar condições e preços mais atrativos ou mesmo cancelar algumas mensalidades.

O que fazer com o plano anual da academia, por exemplo? Enquanto escolas, do ensino regular ou de idiomas, podem substituir a presença por módulos online, essa atividade não pode ser executada a distância.

O advogado Luiz Felipe Silveira, especialista em direito contratual do Finocchio & Ustra, diz que, nesses casos, o consumidor tem o direito de colocar fim ao contrato, considerando a impossibilidade de a academia cumprir a parte dela no combinado.

As academias, porém, estão sendo orientadas a buscar um caminho do meio nas conversas com os clientes. A Acad (associação que representa o segmento) divulgou um parecer jurídico orientando seus associados quanto à necessidade de fechar as portas, considerando a pandemia do coronavírus.

No documento, recomenda que as academias negociem a exclusão do período em que ficarem fechadas ou a concessão de um crédito futuro, quando não houver a possibilidade de suspender o pagamento das mensalidades.

Os cursos de idiomas e de atividades como ioga estão oferecendo a manutenção das aulas com tutoria e atividades online, em um esforço para não ter que parar completamente. A substituição é bem-vinda, mas o aluno pode optar pela suspensão ou cancelamento se achar que não conseguirá acompanhar ou se optar por mais austeridade nos gastos.

O advogado afirma que, do ponto de vista do consumidor, sempre que houver mudança na maneira como o serviço é prestado, em relação ao que foi contratado, é possível discutir o compromisso de pagar. Em geral, o entendido judicial é favorável ao consumidor.

O ensino a distância costuma ser mais barato, e isso permitiria ao cliente cobrar a diferença. Para quem está prestando o serviço, diz o advogado, viabilizar esse novo modelo vai gerar custos imprevistos.

"Manter o mesmo preço ajudaria a equilibrar esse custo", afirma Silveira.

As condições atuais, porém, exigem parcimônia, e a tendência é que todos estejam mais dispostos a negociar condições melhores.

No caso das escolas regulares –as do ensino formal– e de faculdades, o Procon-SP diz que o funcionamento em situações adversas, como a atual, segue regras do Ministério da Educação.

A apresentação de conteúdo deve ser mantida sem a perda de qualidade. É possível usar as plataformas online ou definir um calendário de reposição das aula.

Tudo isso deve ajudar as famílias a organizar melhor o orçamento e, com isso, estarem mais preparadas para momentos de crise mais aguda. Ainda assim, os planejadores financeiros dizem ser necessário não descartar a possibilidade de que alguns consumidores terão de aceitar padrões de vida menores.

Para o planejador financeiro CFP (sigla em inglês para planejador financeiro certificado) Caco Santos, muitos brasileiros correm o risco de mudar de classe social. A crise econômica causada pela pandemia terá escala mundial, e diversos países já revisaram suas expectativas de crescimento para este ano.

"A tendência é termos uma queda brutal da renda, da economia e do PIB e uma migração da população para classes mais baixas acaba sendo inevitável", afirma.

Angela Nunes, da Planejar, diz que apenas alguns setores, como saúde e alimentação, não serão tão afetados pelo momento econômico delicado. "Muitas empresas ficarão em situação financeira difícil e correm sério risco de fechar. O mundo vai empobrecer e, com ele, uma fatia considerável dos cidadãos também", afirma.

Para Domingos, da Abefin, porém, o brasileiro não pode jogar a toalha. "Será um aprendizado para muitas pessoas, mas é preciso manter a calma e ter a disciplina necessária para enfrentar momentos como este", diz.

Prepare-se para os efeitos do coronavírus no orçamento familiar

Renda menor
Governo vai autorizar corte de até 50% nos salários e jornada de trabalho
A medida busca reduzir as chances de demissões nos setores afetados pela crise

Sem carteira assinada
Autônomos e informais ficarão sem trabalhar ou praticamente parados

Quarentena
Em São Paulo, o governador estabeleceu quarentena em todo o estado a partir desta terça (24)
Inicialmente, por 15 dias, determina o fechamento de lojas, restaurantes e bares
Os restaurantes poderão funcionar para delivery
Supermercados, farmácias bancos e lotéricas funcionarão
Outros estados também têm medidas similares para reduzir a circulação de pessoas e o risco de contaminação

Hora de economizar
Com a família toda em casa, gastos fixos podem subir
Contas de energia elétrica, água e gás podem aumentar
Redobre os cuidados com luzes acessas e TVs ligadas

Evite desperdícios
Além de ficar de olho em banhos longos, use bem o que está disponível
Aproveite bem os alimentos disponíveis
Equilibre as refeições em casa

Analise as despesas
Coloque no papel todos os gastos fixos e despesas variáveis já contratadas
Dívidas de longo prazo, como financiamentos e mensalidades, devem estar nessa relação
Gastos suspensos no momento, como atividades de lazer e idas ao cabeleireiro, também contam

Considere novos cortes
Com tudo listado, comece a ver o que pode ser cortado ou suspenso até a situação melhorar
Pacotes de TV a cabo, mensalidades de academia e clubes ou marcas de preferências são gastos que podem ser reduzidos

Negocie contratos
Planos semestrais ou anuais podem ser negociados
Tente suspender as cobranças ou peça um crédito para o futuro

Não tome decisões ainda
É importante pagar dívidas longas, mas espere um pouco
A recomendação é não antecipar pagamentos, pois o futuro é muito incerto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.