Se formos muito titubeantes na reorganização mínima do Estado (reforma da Previdência, tributária, ajuste fiscal, privatizações) —capaz de evitar um colapso na economia—, correremos o risco de perder o bonde do desenvolvimento.
Recentemente, a guerra comercial entre Estados Unidos e China tem sido o tema a gerar mais incertezas nos mercados. Muitos já perceberam não se tratar de uma disputa tradicional no comércio, mas de uma batalha por padrões tecnológicos e hegemonia geopolítica. Trata-se de evento com consequências duradouras e impactantes.
De um lado, as gigantes norte-americanas Apple, Microsoft, Amazon, Google e Facebook; de outro lado, as gigantes chinesas Baidu, Alibaba, Tencent e Huawei.
São companhias maiores do que o PIB da maioria dos países e acumulam volume monumental de informações sobre indivíduos, relacionamentos, comportamentos e padrões de consumo.
Os novos padrões são viáveis em razão da maior capacidade computacional. Atualmente, o processamento gráfico alcança 80 vezes mais velocidade que as versões existentes há apenas cinco anos; e as soluções compartilhadas de nuvem permitem armazenamento mais barato e eficiente, com custo marginal cada vez mais baixo.
Aos poucos, as tecnologias digitais irão se espalhar, aprofundar e mudar o funcionamento de tudo. Temos a inteligência artificial e a ciência de dados; a conectividade, o matching e a segurança cibernética por meio de plataformas da internet; robótica e veículos autônomos; internet das coisas, que poderá levar os processos industriais à fronteira da eficiência; realidade virtual; fabricação digital com as impressoras 3D; novos materiais e biotecnologia; energias renováveis.
Novos padrões tecnológicos têm levado à acelerada digitalização do comércio e à substituição dos canais tradicionais de comunicação. Baseiam-se na combinação entre informação, tecnologia e logística para levar até os consumidores bens e serviços customizados.
O aumento da produtividade será imenso, desidratando ou simplesmente destruindo canais de intermediação entre compradores e vendedores, poupadores e investidores, representantes e representados, entre os fiscos e os pagadores de impostos.
Trarão benefícios à saúde, conforto às famílias, transparência e simplificação das relações sociais, empresariais e governamentais. Fico a imaginar o impacto de uma identidade digital, unificando CPF, RG, inscrições previdenciária, trabalhista e eleitoral.
Há desafios na transição. A formação de ativos intangíveis —com grande mobilidade— tem sido mais acelerada que a tradicional formação de capital físico. Indústrias tradicionais precisarão se reformular.
Há riscos, os quais demandarão ações do Estado ao causar instabilidades sociais e políticas: fraudes cibernéticas; invasão ilegal de dados pessoais; desemprego estrutural.
No Brasil, estamos absorvendo no susto e no improviso a avalanche tecnológica. A agenda para conseguirmos converter as tendências tecnológicas em desenvolvimento é ainda mais densa que a agenda de “reorganizar” a economia do país.
A atração de mão de obra de alta qualificação precisa deixar de ser tabu, e uma reforma da lei de imigrações precisa ser introduzida na agenda. Israel, entre outras ações, atraiu cientistas e engenheiros após o colapso da URSS. Atualmente, é um dos maiores celeiros de startups, exportador de serviços de alto valor, e possui PIB per capita quatro vezes o do Brasil.
Outros temas precisam de prioridade, pois precisamos ajustar a tributação e as tarifas de comércio aos padrões internacionais. A agenda de entrada na OCDE é a grande oportunidade. Falamos sobre ajustar a tributação sobre capitais, renda corporativa e dividendos, regras sobre preços de transferências e obrigações acessórias. Temos urgência na modernização do marco legal das telecomunicações (lei geral em tramitação avançada). São medidas que demandam, no máximo, legislação infraconstitucional, mais simples de aprovar.
Precisamos estimular a rápida absorção de tecnologias e, por isso, eliminar alíquotas de importação de bens de informática, telecomunicações e de bens de capital, o que depende apenas de decreto presidencial. Mas também é preciso melhorar a aprendizagem dos nossos jovens com melhores práticas educacionais; requalificar trabalhadores; desenvolver e reter talentos científicos.
Temos 25 milhões de desempregados e subempregados, renda média muito baixa e uma das sociedades mais desiguais do planeta. Não estamos em guerra comercial, mas sofreremos muito as suas consequências. E não merecemos perder esse bonde!
Ana Paula Vescovi é diretora de economia do Santander Brasil e foi secretária do Tesouro Nacional
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