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Centena de pessoas madrugaram na fila em frente a agência do trabalhador no centro de Curitiba. Foto: Aniele Nascimento / Arquivo / Gazeta do Povo
Dezenas de pessoas aguardam abertura de agência do trabalhador, em Curitiba: flexibilizar a legislação trabalhista não é garantia de melhora no nível de emprego. Foto: Aniele Nascimento / Arquivo / Gazeta do Povo| Foto: Gazeta do Povo

Um dos indicadores de que a economia de um país está indo bem é o nível de emprego. No Brasil, desde a recessão, o mercado de trabalho anda patinando muito. E sucessivos governos adotaram uma estratégia semelhante para tentar impulsionar a geração de vagas: a flexibilização de direitos ou retirada de encargos que incidem sobre a folha de pagamento.

Dilma Rousseff (PT) desonerou a folha. Michel Temer (MDB) promoveu a reforma trabalhista. E o governo de Jair Bolsonaro (PSL) propõe uma nova modalidade de contratação, com menos encargos trabalhistas, e uma capitalização da Previdência como auxiliares nesse processo. Mas os indicadores de emprego mostram que nem sempre a solução para esses problemas é assim tão simples.

Quando esteve na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na quarta-feira passada (3), o ministro da Economia, Paulo Guedes, falou sobre a situação do mercado de trabalho ao defender a reforma da Previdência e o sistema de capitalização, em que cada segurado faz uma ‘poupança’ para garantir a própria aposentadoria.

"O país tem, hoje, 40 milhões de brasileiros excluídos do mercado formal. Eles foram expulsos devido à maneira perversa como a previdência é financiada. Cobrar encargos trabalhistas sobre a mão de obra, sobre a folha de pagamento, é uma condenação do ponto de vista social", declarou.

A proposta de capitalização está na corda bamba – Bolsonaro sinalizou a jornalistas que ela pode ser excluída da reforma. Mas ela dialoga com uma promessa de campanha do pesselista: a carteira de trabalho verde e amarela. Muito falada ao longo da campanha e apontada como prioridade, a proposta ainda não saiu do papel, mas basicamente flexibiliza alguns direitos trabalhistas, para tornar o custo do funcionário menor para as empresas.

A reforma trabalhista de Temer foi lançada cercada de muita expectativa pelo governo na época. Enquanto ainda tramitava, em 2017, a expectativa era de gerar até 5 milhões de novas vagas. A cada avanço no Congresso, o governo recuava na estimativa de novos postos de trabalho. Depois, o então ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, falou em 2 milhões de empregos em dois anos.

A flexibilização da legislação trabalhista, no entanto, não conseguiu impulsionar o mercado de trabalho. As novas regras passaram a vigorar em novembro de 2017. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mostram que no período entre dezembro de 2017 e fevereiro de 2019, o saldo de movimentação (diferença entre admissões e demissões) foi de 402.693, um número muito aquém da expectativa inicial. Caso a projeção do governo se confirmasse, esse período dos primeiros 15 meses de vigência da reforma deveria ter gerado 1.250.000 vagas – o saldo do período corresponde a 32,2% da expectativa.

A curva do emprego no Brasil começa a mudar depois de 2010, de acordo com os dados do Caged, quando o saldo de criação de vagas foi de 2,6 milhões. A partir de 2011, a geração de novos postos de trabalho foi diminuindo, mas até 2014 o saldo ainda era positivo.

A situação inverteu a partir de 2015. Segundo o Caged, naquele ano o Brasil fechou 1,5 milhão de empregos. No ano seguinte, o resultado foi igualmente ruim: saldo negativo de 1,3 milhão de postos de trabalho. No ano da reforma trabalhista, 2017, o resultado também foi negativo, mas em um patamar menor: o ano terminou com -11,9 mil vagas. Foi só no ano passado que houve um respiro: foram 531,8 mil vagas de saldo ao fim de 2018.

Economia anda a passos lentos

Esses números mostram que apenas flexibilizar a legislação em meio a uma crise econômica não resolve o problema da falta de emprego. Enquanto não há confiança e crescimento, não há contratações. E muitas consultorias e institutos estão revisando para baixo as suas projeções para a economia brasileira em 2019.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por exemplo, revisou no final de março a previsão de crescimento do PIB em 2019 de 2,7% para 2%. A análise do instituto é de que a retomada da atividade econômica permanece lenta. “Os dados mais recentes de atividade, como de produção industrial e de serviços, bem como os relativos ao mercado de trabalho, reforçam o fato de que a tão aguardada recuperação cíclica da economia brasileira acontece de maneira mais lenta do que a desejável”, avalia o Ipea.

Na análise do Ipea, o quadro de incertezas e desequilíbrio fiscal impede a aceleração da retomada da atividade econômica, e isso reflete no nível de emprego. “A expectativa é que a redução das incertezas permitirá um avanço maior dos investimentos e abrirá espaço para uma queda maior do desemprego no ano que vem, favorecendo uma dinâmica mais positiva do consumo”, explica a Carta de Conjuntura, que ainda classifica a situação atual do mercado de trabalho como ruim, pela combinação de desemprego elevado e baixa qualidade do emprego.

A experiência de outros países na flexibilização

Mudanças nas políticas trabalhistas podem impactar positiva ou negativamente no mercado de trabalho, mas não há um consenso sobre que tipo de mudança provoca cada efeito. E isso não se restringe apenas ao Brasil.

Um relatório do Banco Mundial, de 2013, já avaliava o impacto dessas políticas no mercado de trabalho. “Em muitos casos, contudo, as restrições à geração de empregos transformacionais não estão relacionadas à legislação trabalhista. A baixa produtividade da agricultura de pequena escala nas economias agrícolas está provavelmente mais estreitamente ligada às falhas de pesquisa e extensão agrícola. E a falta de concorrência em atividades tecnologicamente avançadas que poderiam impulsionar a demanda de trabalho qualificado nos países com elevada taxa de desemprego entre jovens tem mais probabilidade de ser decorrente do nepotismo e do favoritismo político”, pondera o documento.

No caso de países em desenvolvimento, a conclusão do Banco Mundial é que a regulamentação excessiva ou insuficiente do mercado de trabalho reduz a produtividade. “O desafio é colocar as políticas trabalhistas em uma área de estabilização — uma faixa onde as regulamentações e as instituições possam, pelo menos parcialmente, tratar as imperfeições do mercado de trabalho sem reduzir a eficiência”, explica o relatório.

Um outro estudo, mais recente, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), avaliou políticas reformistas de mercados de trabalho implementadas entre 2008 e 2014 em 111 países, para identificar se elas ajudaram a reduzir as taxas de desemprego e aumentar o emprego. Os resultados indicaram que nos países mais desenvolvidos, a ocorrência de uma crise econômica seguida por uma alta nos níveis de desemprego promoveu reformas que visavam diminuir a regulamentação trabalhista enquanto em países em desenvolvimento o resultado foi o oposto.

Os resultados apresentados no artigoLabour market reforms since the crisis: Drivers and consequences”, de Dragos Adascalitei e Clemente Pignatti Morano, mostraram que, por um lado, mudanças nos contratos de trabalho permanentes, demissões e negociações coletivas são mais sensíveis à evolução macroeconômica e, de outro lado, modificações para contratos temporários e outras formas de emprego não necessariamente respondem às flutuações do ciclo de negócios.

Os pesquisadores ainda analisaram os efeitos de curto prazo das reformas no mercado de trabalho nos países desenvolvidos que flexibilizaram a proteção aos trabalhadores, houve um aumento temporário na taxa de desemprego, o que não ocorreu em economias em desenvolvimento. Mas, nos dois grupos, a desregulamentação foi associada a uma queda na taxa de emprego no ano seguinte. Efeitos de médio a longo prazo ainda não podem ser analisados com os dados disponíveis, por ora.

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