Mercedes-Benz congela investimentos e volta a produzir no Brasil

Linha de produção de caminhões Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo: retomada com investimentos congelados

Por PEDRO KUTNEY, AB
  • 14/05/2020 - 18:30
  • | Atualizado há 2 anos, 9 meses
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    Após um mês e meio de paralisação completa, a Mercedes-Benz voltou na segunda-feira, 11, a produzir caminhões e ônibus em suas fábricas brasileiras de São Bernardo do Campo (SP) e Juiz de Fora (MG), mas em ritmo reduzido a 50% da capacidade e 4,5 mil empregados, cerca de metade da força de trabalho da produção. Apesar da queda nas vendas de caminhões se apresentar menos profunda do que a vista até agora nos outros segmentos do mercado de veículos, o presidente da empresa no Brasil, Philipp Schiemer, aponta que a crise trazida pela pandemia de coronavírus também afeta gravemente os negócios da companhia, que terá de congelar os investimentos já previstos para os próximos dois anos no País.



    A Mercedes-Benz estava no meio de um ciclo de investimentos de R$ 2,4 bilhões programados para o período 2018-2022. A maior parte dos recursos já foi aplicada: R$ 1,4 bilhão no desenvolvimento da versão brasileira do novo caminhão extrapesado Actros e R$ 100 milhões na nova linha 4.0 de montagem de cabines em São Bernardo. Com a chegada da crise, os R$ 900 milhões restantes para os próximos dois anos do programa estão congelados. Segundo Schiemer, o projeto de modernização industrial está 80% concluído e os 20% que faltam devem ser finalizados até o início de 2021, mas todos os outros planos terão de ser reavaliados e dependem de como a economia brasileira irá se comportar após a pandemia.

    “Neste momento precisamos direcionar todos os recursos para pagar salários e fornecedores. Vamos terminar os investimentos que já começamos nas fábricas, mas os novos projetos estão congelados, porque não há mais dinheiro e todo o nosso pessoal de engenharia está trabalhando em home office, não podem fazer testes de campo com novos veículos em desenvolvimento”, explica Philipp Schiemer.



    Em paralelo ao congelamento de novos investimentos, Schiemer avalia que “será inevitável” rediscutir os prazos de marcos regulatórios, como é o caso da oitava fase da legislação de emissões de veículos pesados a diesel no Brasil, o Proconve P8, previsto para entrar em vigor a partir de 2022 com a adoção de motores com tecnologia de controle de emissões Euro 6, o que exige novos investimentos. “Possivelmente não será possível atender esse prazo, porque perdemos tempo de desenvolvimento a paralisação causada pela pandemia; além disso os fornecedores também pararam”, pondera.

    MERCADO MENOR E SEM RENTABILIDADE



    O executivo lembra que o programa de investimento da Mercedes-Benz em curso foi planejado levando em conta a recuperação contínua da economia e do mercado brasileiro de veículos pesados, o que não aconteceu. As projeções estimavam a venda de 110 mil caminhões e 23 mil ônibus no Brasil em 2020. “O ano começou muito bem, mas depois do meio de março tudo parou, a queda dos negócios foi brutal e ninguém mais sabe como será”, lamenta.

    A média de vendas de caminhões no Brasil este ano era estimada pela indústria em 9 mil unidades/mês, número que caiu 56%, para 3.952 emplacamentos em abril. A Mercedes emplacou 1.931 em março e 1.180 em abril, em queda de 39%. “O mercado de caminhões não parou, por isso voltamos a produzir este mês. Existe demanda de alguns setores como agronegócio (é esperada safra recorde), químico e gás, celulose, alimentos e bebidas e farmacêutico. Mas outras áreas como logística, distribuição de mercadorias e construção civil, onde esperávamos grande recuperação, foram duramente afetadas pela crise e vão jogar os negócios para baixo”, pontua Schiemer.

    No mercado de ônibus a situação é bem pior, o mercado recuou da média planejada de 1,9 mil unidades/mês para apenas 320 chassis em abril, um tombo de 83%, enquanto a Mercedes negociou 447 chassis em março e apenas 99 em abril, em retração de 79%. Schiemer destaca que as frotas urbanas de transporte público estão parcialmente paralisadas e no caso do segmento rodoviário as viagens foram drasticamente reduzidas. Com isso, a demanda por ônibus novos caiu a quase zero.

    A crise, lembra Schiemer, interrompe os planos da Mercedes de voltar a apurar lucro no Brasil a partir deste ano, após longo período de prejuízos e ajuda da matriz na Alemanha. “Estávamos indo bem no caminho de voltar a ter rentabilidade no País, claro que isso agora está descartado este ano, mas temos de retomar em 2021, se a crise perdurar mais do que isso vamos ter muitas preocupações [sobre o futuro da operação]”, avalia.


    Mercedes-Benz voltou a produzir com medidas de segurança e acordo de redução de jornada e salários

    ACORDO PARA EVITAR DEMISSÕES



    A questão trabalhista que emergiu da pandemia foi parcialmente contornada na Mercedes com a negociação para suspensão temporária de contratos de metade dos funcionários da produção e adoção de redução salarial e de jornada para os 50% restantes. Os empregados das áreas administrativas foram colocados em regime de trabalho remoto (home office) com corte de 25% nos salários e na jornada. O acordo prevê garantia de emprego até o fim de 2020.

    “Conseguimos evitar demissões com uma negociação rápida, que contou com a sensibilidade do sindicato. Tudo foi negociado partindo da premissa que haverá recuperação dos negócios no segundo semestre. Temos esperança que a boa gestão possa reduzir as perdas que teremos até lá. Mas o relógio está avançando e talvez tenhamos de negociar novas medidas se a crise não for superada no tempo que prevíamos”, pondera Schiemer.

    RETORNO AO TRABALHO COM MAIS SEGURANÇA




    Atendimento em hospital de campanha montado dentro da fábrica da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo

    Após paralisar desde 23 de março suas fábricas no Brasil, a Mercedes-Benz retomou a produção esta semana em um “novo normal”, com diversos cuidados para evitar a contaminação dos funcionários pela Covid-19, doença causada pelo coronavírus. “Fomos obrigados a interromper as atividades por causa da insegurança que a pandemia gerou em todos. Precisamos garantir um ambiente seguro para o regresso dos empregados. Temos claro que só vamos superar essa crise se oferecermos aos clientes e funcionários um ambiente protegido. Adotamos as melhores práticas internacionais para isso”, afirma o presidente da empresa.

    As medidas de segurança adotadas para a volta ao trabalho na Mercedes começam desde o embarque dos empregados nos ônibus fretados que levam à fábrica. A frota foi duplicada para permitir o maior distanciamento entre as pessoas a bordo dos veículos. No trabalho, todos passam por medição de temperatura duas vezes ao dia, a primeira logo na chegada à planta. O uso de máscara é obrigatório em todos os ambientes.

    Dentro da planta de São Bernardo foi montado um hospital de campanha com 150 metros quadrados e 30 profissionais de saúde para atender funcionários com suspeita de terem sido contaminados pelo coronavírus. Nos primeiros dias de funcionamento, estão sendo feitos cerca de 10 atendimentos por dia. “Com o hospital nós também contribuímos para desafogar o sistema de saúde externo”, pondera Schiemer.

    Segundo o executivo, ainda não foi confirmado nenhum caso de Covid-19 dentro da fábrica. “Mas se acontecer temos de reagir rápido, isolar e tratar. Podemos fazer testes para e temos uma rotina estabelecida para isso. Com certeza vamos ter casos da doença, alguns podem ter se infectado fora da fábrica e estamos acompanhando eles e suas famílias. Não temos como impedir, mas podemos interromper o mais rapidamente possível a cadeia de infecção com isolamento e monitoramento dessas pessoas”, diz.